Artigo apresentado no III Seminário Comunicação e Cultura do Ouvir, organizado por José Eugenio de O. Menezes, na Cásper Líbero, 9/11/11
Danielle Mendes Thame Denny
1. Introdução
As
apresentações musicais em eventos coletivos, como os festivais de música, são
capazes de gerar um ambiente privilegiado para intervenções, de forma a
favorecer a educação, despertar e desenvolver a formação da postura ética e
ecológica dos participantes. Pela memória musical, experiências sonoras podem
ser vinculadas a determinadas atitudes e, assim, promover ações e compromissos que
levem emconsideração o meio ambiente . O caso concreto sob análise é o SWU 2010
(sigla de Starts With You ou Começa
Com Você) que tinha como objetivo articular a educomunicação ambiental à
imersibilidade sonora nos três dias de festival, realizado em Itu, cidade do estado
de São Paulo, na Fazenda Maeda, nos dias 9, 10 e 11 de novembro de 2010. Em seu
site, o SWU pretende ser um movimento de conscientização em prol da
sustentabilidade. Sua finalidade seria mostrar que, por meio de pequenas ações
individuais praticadas no dia a dia, as pessoas podem ajudar a construir um
mundo melhor para se viver. O presente artigo reflete uma pesquisa em andamento
que busca identificar se a sustentabilidade foi usada, meramente, para promover
o consumo durante o SWU, ou se foi uma importante oportunidade para se criar
vínculos entre as pessoas e usar o ouvir como disposição para sermos tocados
pelas ideias a respeito da sustentabilidade. A análise teórica aqui desenvolvida é feita sob a perspectiva
dos valores econômicos, da vinculação, da comunicação orquestral, da iconofagia,
da ecologia da comunicação, da verticalidade, da cultura do ouvir, dos diálogos
e dos discursos. Este estudo parte de
uma análise de caso, segue a metodologia fenomenológica e tem, como referencial
teórico, autores como Shapiro(1999), Castells (2009), Català (2005), Winkin
(1998), Flusser (2007), Pross (1980), Romano (2004), dentre outros.
A
pesquisa em elaboração nasceu de uma experiência de aplicação do aprendido nas
aulas de Teoria da Comunicação do Mestrado da Cásper Líbero. Depois de estudar
a escola de Palo Alto, a pesquisadora foi a campo, durante os três dias do festival, seguindo a metodologia
fenomenológica de buscar experiências, de ir da teoria ao trabalho de campo,
como propõe o título do livro de Winkin (1998).
Face
aos desafios enfrentados, atualmente, pela Comunicação, num contexto em que a
informação deixou de ser escassa e os meios ainda não desenvolveram uma nova
linguagem, iniciativas como o SWU são casos a serem estudados. Além disso, para
a linha de pesquisa do Mestrado: “Processos Midiáticos: Tecnologia e Mercado”, o
modelo de negócio do SWU e a experiência de vinculação ampliada nas mediações
terciárias e potencializada ainda mais pela convergência dos meios formando uma
teia de vínculos (Menezes, 2007) é de suma importância e atual.
A
pesquisa tem a temática dividida em três
focos principais: vinculação, media literacy
e ecologia da comunicação.
2. A origem do
movimento e do evento SWU
O
SWU (sigla em
inglês para Começa Com Você) era para ser uma mega campanha
publicitária de comunicação de massa em defesa da sustentabilidade, traduzida
em uma plataforma de informação e entretenimento. Em seu site, o SWU pretende
ser um movimento de conscientização em prol da sustentabilidade. Sob os valores:
paz, amor, consciência e atitude, teria o intuito de mobilizar o maior número
possível de pessoas para essa causa. Sua finalidade seria mostrar que, por meio
de pequenas ações individuais praticadas no dia a dia, as pessoas podem ajudar
a construir um mundo melhor para se viver.
O
idealizador do movimento foi Eduardo Fischer, presidente do Grupo Totalcom,
holding de agências publicitárias com atuação no Brasil, na Argentina e em
Portugal e cujo capital social é 100% brasileiro. Contou com a parceria da
produtora de shows The Groove Concept e da Consultoria Visão Sustentável. Os
principais patrocinadores foram a Nestlé, a Heineken e a OI. A premissa do
movimento seria que pequenas atitudes podem gerar grandes mudanças. A sua manifestação
empírica deu-se durante o Fórum Global
de Sustentabilidade e do Music and Arts Festival, para um público de 164,5 mil
pessoas em Itu.
Esse
Fórum Global de Sustentabilidade foi a primeira parte do evento que funcionou
entre 12h e 14h40, com apresentações de palestrantes e debates sobre os temas
Negócios Sustentáveis, Inclusão de Minorias e Jovens e Meio Ambiente. Três mil
pessoas compareceram as 29 palestras proferidas por convidados nacionais e
internacionais. Todo o material produzido pelos 24 speakers e outros 20 convidados (especialistas, pensadores,
empresários e representantes de entidades nãogovernamentais), ainda está indisponível
de forma abrangente, na Internet, por exemplo.
A
segunda parte foi o Arts Festival, que recebeu instalações de Eduardo Srur,
Urban Trash Art, Bijari, Oficina Jamac, Flávia Vivacqua, Cooperaacs. Promoveu a
exposição “Brasil em Chamas” em homenagem a Frans
Krajcberg, sob curadoria de Sergio Caribe, com 7 esculturas e
8 fotos do artista. Elas eram permanentes,
dispersas pelos 233 mil m² e podiam ser experimentadas durante todo o evento,
inclusive durante o festival de música.
A
terceira, e a mais notória parte do SWU, foi o Music Festival. Com 74 atrações
musicais, 700 músicos nos palcos e mais de 50 horas de música. Começava por
volta das 15h e terminava após às 2h, com shows de diversas bandas distribuídas
por 4 palcos.
3. Ambientes e
vínculos no contexto do SWU
O
presente artigo é fruto de uma pesquisa em andamento, portanto a ênfase ainda é
na problematização e nas hipóteses. Com a análise, por meio das teorias da
comunicação, dos processos de vinculação gerados durante o SWU, possivelmente
irão se evidenciar vínculos estabelecidos durante o festival e depois, entre os
espectadores e fãs, pelas mídias sociais
conectadas, por exemplo. Há a
probabilidade da pesquisa indicar que a
vinculação humana foi ampliada nas mediações terciárias e potencializada pela
convergência de meios de comunicação que interagem com o festival, veiculando valores
de sustentabilidade, de forma lúdica.
Sob
a análise da economia da comunicação, pode ser que se identifique que a
sustentabilidade foi usada meramente para promover o consumo durante o SWU, e que,
contrariando as expectativas, não houve a defesa efetiva dos valores éticos da
sustentabilidade, ou o uso do ambiente musical para fornecer recursos à informação
socioambiental. Pode ser que tenha sido perdida uma importante oportunidade
para usar o ouvir como disposição para sermos tocados por tão importante causa.
As iniciativas comunicacionais do SWU podem se demonstrar estruturadas de
acordo com a lógica do EcoMarketing e do “greenwashing”, com suas ações não
verdadeiramente sustentáveis.
Uma
outra problematização é o fato de o SWU poder ser tomado, apenas, como uma
reafirmação de uma imagem da sociedade do espetáculo à medida que as pessoas,
como em qualquer outro show de música, levam prontas uma imagem de como o show
deve ser aproveitado; uma imagem fechada, com uma lacuna a ser preenchida pela
efetiva presença da pessoa naquele local. E esses modelos prontos,
pré-fabricados pela indústria do entretenimento podem, inclusive, vir de outros
países, como dos festivais ingleses que, como o SWU, oferecem camping, longa
lista de shows de diversas bandas em palcos de estilos diferentes. O SWU pode
ser tomado de exemplo dessa reafirmação dos modelos já pré-estabelecidos nos
festivais ingleses e americanos.
Dessa
forma, levantam-se as hipóteses de que uma nova linguagem adequada à abundância
de informações, hiperconectividade e escassez de tempo precisa ser desenvolvida
e de que o SWU pode ser estudado como um exemplo de iniciativa inovadora de
comunicação, pois logrou envolver os participantes antes e depois dos três dias
de evento, utiliza-se das mídias eletrônicas para criar e manter os vínculos e tem
finalidade educativa, usa, portanto, a imagem fechada, pré-fabricada da sociedade do espetáculo, os
valores da economia da comunicação e a lógica do EcoMarketing para viabilizar seu
modelo de negócio mas de que isso não é o essencial.
O
SWU deve ter se desdobrado para muito além desses conceitos. A comunicação
orquestral deve ter gerado vínculos afetivos que, quando a pessoa fez parte do EcoMarketing
, ou quando entrou na imagem pré-estabelecida de como desfrutar de um show,
apropriou-se dos pontos de interesse, sociabilizou-se, entrou em contato com
outras pessoas, experimentou ambientes sensoriais de forma a chamar a atenção
para a corporeidade e, assim, promover ecologia da comunicação. A análise dos
sucessos e dos fracassos dessa experiência, possivelmente servirá para
fundamentar futuras investidas semelhantes, contribuindo para a formação de uma
nova linguagem comunicacional, adaptada à escassez de tempo e à abundância de
informações, possibilitadas pela revolução digital.
4. Concepções
teóricas para compreensão crítica do SWU
Serão
estudados os conceitos de mediação e vinculação (Pross, 1980 e Baitello, 1999),
comunicação orquestral (Winkin, 1998) e comunicação como diálogo (Flusser,
2007). O vínculo, como base para a comunicação, deve ser entendido como mais complexo
que o contato cibernético para troca de informações, considerando comunicar como
diferente de informar (Wolton, 2010). Somente seres humanos comunicam, trocam
sentimentos, compartilham sensações. Os aparelhos eletrônicos podem ampliar ou,
muitas vezes, reduzir as possibilidades de vinculação humana.
Na
atual sociedade imagética, milhares de imagens são consumidas pelas pessoas e ao
mesmo tempo as imagens consomem as pessoas (Baitello, 2005). A
reprodutibilidade sem limites, mina qualquer tipo de reflexão, na tentativa de
substituir as outras dimensões humanas bastante esquecidas. Nesse quadro,
qualquer preocupação sobre o ecossistema, incluindo o ambiente comunicacional,
não se encaixa. A ecologia tem como objetivo a integração entre o humano e o
meio ambiente. E esse ambiente além de
físico, é imaterial, uma vez que, nesta sociedade, a nossa existência virtual é
particularmente importante.
Depois
de séculos de supremacia da racionalidade, o corpo e os seus sentimentos
precisam ser resgatados. Na verdade, o que normalmente move os atos humanos são
as emoções, como o amor, a simpatia, o respeito e não a racionalidade. Nesse contexto,
é importante redescobrir o homem não somente como homo faber, um trabalhador
racional, focado em resultados e produtividade, mas também como homo ludens,
com senso de humor, paixões, com foco em lazer e diversão. E é isso que parece
acontecer no SWU, por meio da integração do lazer com a educação, criando
ecossistemas comunicacionais (Romano, 2004) nos ambientes educativos e, dessa
forma, integrando música, imagens, internet, redes sociais, blogs, amigos,
família ...
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