10/12/2010

Resenha Comunicação espaço Cultura de Lucrécia Ferrara

ESPAÇO COMUNICA CULTURA

Por Danielle Denny

FERRARA, Lucrécia D´Alessio. Comunicação espaço Cultura. 1ª. ed. São Paulo: Annablume, 2008


Texto denso, teórico, aprofundado. Indispensável para quem pretende entender como a cultura de cada época influenciou a evolução do conceito de espaço desde a ágora grega até o ciberespaço.
A autora é professora doutora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade de São Paulo. Formada em Letras e Literatura, aposentou-se como professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Essa experiência multidisciplinar explica seu interesse pela temática do livro que articula idéias de tempo, espaço, cultura e comunicação. Além disso, explica porque a cátedra de Comunicação foi a escolhida, nas palavras da própria autora:
“Estamos às voltas com o ineludível diálogo transdisciplinar que caracteriza a comunicação como ciência e, talvez, com aquela realidade que lhe aponta a possibilidade científica de ser uma área voltada para as relações interdisciplinares de uma Comunicação do Conhecimento” (FERRARA, 2008:94)

Comunicar não é só falar e escrever. Existem outros textos não verbais que podem ser usados, como os sons, os cheiros e as imagens. Os espaços estão marcados por esses textos. Principalmente as transformações econômicas deixam na cidade marcas que contam uma história, mostram um conjunto de valores, refletem certos hábitos, revelam uma dada cultura. Para usar os conceitos de Milton Santos os fluxos impactam os fixos. Nesse contexto, a autora analisa as alterações urbanas da seguinte forma:
“...a moda que marcara a cidade cosmopolita é revisitada, mas seus vetores são trocados, substitui-se a visualidade e a troca de valores e hábitos por um modo de ser e um jeito de pensar criado por poucos para valer para todos. É o território do espetáculo para uma sociedade que transforma o cotidiano em rotina vivida em um espaço uniforme para um tempo de repetição; espaço e tempo redundantes, tecnologicamente produzidos para serem consumidos em horários e locais programados... Na metrópole transformada em simulacro tecnológico-eletrônico, o espetáculo não expõe o indivíduo, ao contrário, ele se mantém isolado e submisso ao domínio da massa de expectadores que o torna anônimo, enquanto o espetáculo é vivido como o efeito de uma espacialidade que está longe e é vivida imaginariamente. É a espetacularidade desse efeito que seduz o imaginário do sujeito eletrônico e o dissolve na massa de telespectadores... o próprio espaço não se deixa reconhecer na sua nova espacialidade; torna-se um hábito perceptivo e, enquanto simulacro, parece natural. Comunicar é levar a consumir espacialidades, imagens, espetáculos.” (FERRARA, 2008:67 e 68)
No histórico da aldeia, da cidade cosmopolita, da metrópole e da megalópole não são identificáveis rupturas. As características de uma não desaparecem totalmente quando a outra florece. Pelo contrário, a semiótica e os valores de hoje misturam-se com manifestações anteriores e é nessa continuidade que a cidade contemporânea com sua cibercultura precisa ser estudada:
“Se a metrópole traduziu a alteridade da cidade cosmopolita na imagem hiper-real de uma alteridade que atua como modelo eletrônico, a megalópole cria a compulsiva sedução de um outro anônimo, mas convincente enquanto exemplo que sugere reação imediata, um outro imaginado na interlocução de mensagens virtuais que apresentam uma alteridade vazia de corpo, mas exageradamente ativa enquanto estímulo mental... Surge a cibercultura virtual e frequentemente anônima ao mesmo tempo em que se constata um inegável alargamento do espaço público, que passa a ser planetário e seu veículo de comunicação não se restringe à palavra, mas se expande em uma ação de novas características democráticas, pois, virtual, essa democracia não se submete a monopólios do estado, de programas ou de ideologias. As relações vão além do espaço público cosmopolita, ou melhor, recria-se domínio público, mas, agora, sem limites geográficos, sociais ou territoriais.” (FERRARA, 2008: 71 e 72)

Ainda nesse contexto a autora atualiza a definição de Marshall Macluhan de que o meio é a mensagem:
“...passa-se da comunicação que organiza a mensagem e estabelece relações entre um emissor e seus receptores para a compreensão da organização que estabelece vínculos comunicativos, não através do que é dito, mas através do modo como é dito, ou seja, o espaço enquanto meio faz-se notar, mediativamente através das espacialidades que o representam. No panorama da cultura encontramos não o espaço como suporte, mas seus efeitos quando passa de meio à mediação; desse modo o meio espaço é a mensagem através das espacialidades que registram sua organização informativa e criam distintos ambientes culturais.” (FERRARA, 2008:74)

Identifica, também, como não produtiva a nostalgia pela perda dos cenários próprios das organizações urbanas anteriores (como a aldeia e a cidade cosmopolita). A necessidade é de identificar as alterações da cibercultura e perceber o cotidiano do ciberespaço de modo a aprender constantemente novas experiências:
“...Estamos ante um novo desenho do espaço e da cultura. É o ciberespaço que desestabiliza a geografia do espaço físico e territorial, social ou político, e a cibercultura, que, sem paradigmas e em aceleração, desafia as antigas premissas de comportamento e valores culturais... Agora, o espaço é global e o tempo, real, ou seja, sem a medida cronométrica que o submetia à precisão de calendários ou relógios: o espaço de lá está aqui e o tempo de ontem é hoje, presente. Convergem o ontem e o hoje, o passsado e o futuro, o tempo e o espaço. As técnica... suprimiram a distância como diferença, banalizaram definitivamente o deslocamento e engoliram a velocidade: a aceleração é a nova medida da velocidade... Perdeu-se a convivência com o tempo demorado e longo que permitia a interpretação e com ela a possibilidade de rotina que firmava identidades e reconhecimentos.” (FERRARA, 2008:116, 117 e 119)

As percepções de tempo e espaço foram alterados pela cibercultura:
 “...para a cibercultura, o tempo não é real, porque não existe o irreal, também o espaço não é perto ou distante, porque não se desloca, mas simplesmente é... Em tempo real e espaço presente, surge o ciberespaço... a dificuldade de interpretar o contínuo presente está em desistir do tempo como parâmetro ordenador do espaço vivido e em admitir que é possível viver, em aceleração e intensidade contínuas, todos os tempos e espaços. A emergência do ciberespaço assinala o contínuo acelerado da cultura.” (FERRARA, 2008:121 e 123)

Várias áreas do conhecimento têm como objeto o espaço urbano, entre elas a: geografia, arquitetura, demografia, sociologia, economia, política. Cada qual estuda uma especificidade, mas, para fazer suas análises, todas dependem das representações e dos signos deixados pelo ser humano no tempo e no espaço. São eles que mostram como o indivíduo se relaciona com a cidade, dela se apropria e a transforma. Essa linguagem se relaciona com o tempo e o espaço e assim deve ser estudada:
“Na realidade, enquanto fenômenos mutáveis e intercambiáveis, o tempo e o espaço não podem ser estudados como instâncias absolutas de um modo de ser, ao contrário, se manifestam, apenas, como aparências passageiras, como possibilidades contínuas e mutáveis. A dobra conforme dobra é a melhor definição.” (FERRARA, 2008:125)

Dada essa pertinência do estudo do espaço, inclusive para outras áreas de conhecimento, a autora produz uma obra de singular relevância:
 “...espaço é, ao mesmo tempo, cenário e ator da vida no mundo, porém não se apresenta diretamente, ao contrário, faz-se presente através de espacialidades e, sobretudo, através das relações que se pode estabelecer entre as suas diferentes manifestações ... essas epacialidades surgem na comunicação de sentidos, valores e ideologias ... nas representações imaginárias ...; e sobretudo nas reminiscências e memórias informativas...” (FERRARA, 2008:191 e 192)

Por fim, a forma adotada pela edição do livro é muito prática. A cada capítulo seguem, além da bibliografia e das notas, um índice remissivo das questões estudadas. Assim, quem se interessa por uma temática em especial pode, sem perda de tempo, acessar diretamentente as informações relativas a esse tema.