07/12/2012

Síndrome do Edifício Doente


Publicado em PPA*

Doenças e alergias relacionadas aos edifícios 
Por Danielle Denny e Ivani Lúcia Leme
A poluição do ar é preocupante, principalmente nas grandes cidades, mas não temos ideia de que o perigo também está dentro dos edifícios, comerciais principalmente, onde a circulação de pessoas é maior. Segundo a Organização Mundial da Saúde – OMS, passamos 80 a 90% de nossas vidas em ambientes fechados, respirando em torno de 10 mil litros de ar por dia.
O primeiro caso de Doença Relacionada a Edifício – DRE foi reportado em julho de 1976, em pleno verão americano, no centenário Belevue Stratford Hotel, onde ocorria a convenção anual da Legião Americana de Veteranos da Guerra da Coréia. Os participantes – idosos e, portanto, mais susceptíveis a doenças respiratórias, começaram a passar mal durante o evento, inicialmente com insuficiência respiratória, num total de 182 pessoas.
Belevue Stratford Hotel
Belevue Stratford Hotel
A bactéria causadora da doença era um organismo de difícil diagnóstico laboratorial nas condições da época. Hoje se sabe que sobrevive na água dos dutos do ar condicionado e dissemina-se pelo ar que é inalado no ambiente – a bactéria foi chamada de Legionella pneumophila – “doença pulmonar dos legionários”.
A legionelose é uma infecção mortal se não for tratada precocemente, também em pessoas jovens e sadias. O microrganismo estava presente no sistema de ar condicionado do hotel de luxo, que estava sem a devida manutenção das tubulações de água e de ar. Foram 29 casos fatais em poucos dias, mas pode ter sido mais – 34, visto que muitos dos legionários voltaram para suas casas e morreram dias depois.
No Brasil em 1998, o ex-Ministro da Comunicação Sergio Motta, internado por problemas cardiológicos, no Hospital Albert Einstein em São Paulo, morreu de insuficiência respiratória por legionelose, o que levou o Ministério da Saúde a regulamentar ambientes climatizados.
Ambiente altamente controlado, onde o ar deve ser puríssimo é necessário em várias atividades como preparação de medicamentos, na indústria de componentes eletrônicos, nos serviços de saúde onde são realizados transplantes de medula, entre outros.
E nós, cidadãos comuns, o que respiramos? Via de regra, estamos expostos a gases poluentes, poeira, fungos, bactérias, algas, vírus, protozoários e substâncias químicas diversas. Mesmo ao ar livre essa mistura estará presente, em graus diversos. Em termos microbiológicos a quantidade média ao ar livre é de 200 UFC (unidades formadoras de colônia). Em edifícios selados, com sistema de climatização, a qualidade do ar interior necessita de cuidados especiais, no mínimo limpeza periódica dos sistemas filtrantes.
Sergio Motta com equipamento de oxigênio
Sergio Motta com equipamento de oxigênio
O primeiro conjunto de regras voltado para garantir a qualidade do ar em ambientes climatizados foi a Portaria 3.523/98, do Ministério da Saúde, que estabelece uma rotina de procedimentos de limpeza em sistemas de refrigeração de grande porte. A Resolução n. 9 da ANVISA e a norma técnica NBR 16401 da ABNT, definem o que é um ar de boa qualidade. A OMS também trata do tema e recomenda 500 UFC, ou seja, o dobro e meio a mais da concentração microbiológica normalmente encontrada ao ar livre.
A Síndrome dos Edifícios Doentes – SDE pode ser temporária em construções recentes na qual há muito material particulado suspenso no ar e compostos voláteis, oriundos de colas e tintas. Os habitantes e visitantes sentem-se mal nesses locais, mas sem sintomas específicos, sem relacionar a causa de sua doença ao ambiente onde trabalham.
Em edifícios novos, depois de alguns meses da conclusão das obras, a tendência é a melhora do ambiente. Porém, há situações onde a SDE será de cunho permanente devido a erros de projeto, falta de manutenção do sistema de climatização ou uso de filtros inadequados. O biofilme que se desenvolve nos dutos de ar condicionado é formado pela colonização e contaminação microbiana (bactérias, fungos, vírus, protozoários) e presença de insetos e animais. O biofilme contribui para doenças diversas e até morte de pessoas mais sensíveis.
Em 25% dos casos de SDE permanente as causas são devidas aos fungos e produtos do metabolismo bacteriano, como as endotoxinas. Em 15%, poeiras, em 12%, bactérias e nos demais casos baixa ou alta umidade relativa ar, existência de formaldeído cancerígeno (presente nos inseticidas), suspensão de fibras de vidro e outros. O perigo é ainda maior em ambientes de pequeno porte, com número maior de pessoas compartilhando o mesmo espaço, necessitando, portanto, de trocas de ar mais frequentes para diluir essas substâncias.
Os sintomas mais comuns de SDE são: irritação de olhos, nariz e garganta, fadiga mental, dor de cabeça, infecção das vias aéreas, tosse , rouquidão, respiração ruidosa asmática, dificuldade em respirar, coceira e hipersensibilidade não especifica, dores articulares e lacrimejamento.
A exposição ao bioaerosol (poeira com fungos e bactéria) causam efeitos mais graves, como rinite, sinusite, conjuntivite, pneumonia, asma, alveolite, febre do umidificador, aspergilose broncopulmonar (doença grave em pacientes hospitalizados pela rapidez com que se generaliza, levando ao óbito, com sintomas parecidos ao da gripe) dermatites de contato, eczemas, urticária de contato e micotoxicoses. Pessoas submetidas a esses ambientes, muitas vezes pensam ser alérgicas ao trabalho, mas na verdade estão convivendo em edifícios doentes.
Mas como resolver permanentemente isso, visto a extensão desse problema? Não basta eliminar os fumódromos sob a força da lei. Precisam ser instalados filtros de alta eficiência e praticados método corretos de higienização de dutos nos sistemas de ar condicionado, com substituições periódicas programadas dos filtros. Além disso, o ponto de captação do ar exterior para renovação do ar ambiental interior deve ser posicionado corretamente – não pode ser originário de um estacionamento ou próximo do depósito de lixo do prédio, como é o caso de muitos edifícios, inclusive os de alto padrão.
A Coordenação de Vigilância em Saúde – COVISA, órgão da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, realizou, em 2012, operação de vistoria em 40 shoppings. Constatou que apenas dois deles estavam adequados em termos de qualidade do ar. A equipe conta com apenas três pessoas para fiscalizar todos os edifícios da cidade de São Paulo. Com uma equipe maior, as irregularidades autuadas provavelmente seriam ainda mais frequentes.
Além do tripé básico para manter saudáveis os edifícios – limpeza do sistema de climatização, filtragem e renovação do ar, existem outros cuidados a serem tomados, como o controle de animais, como roedores, morcegos e pombos pois eles excretam fungos muito perigosos. As fontes de água devem ser cloradas, porque favorecem a formação de colônias de bactérias e a proliferação de mosquitos, inclusive o da dengue. Vasos de plantas em ambientes úmidos e escuros são propícios para a proliferação de fungos.
Sistemas de resfriamento e umidificação do ar – os vaporizadores, também merecem atenção e normas, visto que as gotículas de água vaporizada podem vir carregadas de bactérias e vírus. Nos parques temáticos da Disney, por exemplo, se faz tratamento dos sistemas com ozônio ou luz ultravioleta antes da água ser vaporizada sobre as pessoas para resfriamento.
Em virtude da complexidade dos sistemas de climatização é obrigatório que as empresas tenham seus planos de manutenção, orientação e controle da qualidade do ar em ambientes climatizados, com anotação de responsabilidade técnica de um engenheiro mecânico e registrada junto ao CREA (Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura). Esse responsável técnico deve disponibilizar relatórios de manutenção e laudos físico, químico e microbiológico sobre a qualidade do ar disponível a qualquer momento.
Nos hospitais, o controle de riscos relacionados ao ambiente é ainda mais importante. Pacientes imunocomprometidos (com câncer, AIDS, transplantados e outras doenças de base), assim como aqueles com doenças infecto-contagiosas precisam de ambiente controlado, com pressão diferenciada, além da filtração do ar. Na troca dos sistemas filtrantes, seja na comunidade ou nos serviços de saúde são necessários cuidados especiais, pois o filtro carrega uma infinidade de poluentes e microrganismos.
Os filtros de ar oriundos de serviços de saúde devem ser descartados como resíduos infectantes, seguindo rotinas diferenciadas. Porém, há necessidade de controle e fiscalização das empresas de manutenção, se realizam corretamente o descarte desses filtros ou se há reuso deles. E falta, também, monitoramento sobre o treinamento dado aos funcionários para essa tarefa.
Em tese, fazer só o que está na lei é insuficiente, tem-se que propiciar condições saudáveis para as pessoas que convivem por períodos prolongados em ambientes confinados. Quando 20% ou mais da população de um edifício apresenta queixas ou sintomas, já é considerada como fator da doença, a Síndrome do Edifício Doente.
Até chegarmos nesse ponto de comprometimento intrínseco dos gestores e da equipe de manutenção com a qualidade do ar, serão necessárias mais normas, processos civis, penais, trabalhistas e ampla divulgação na mídia sobre as doenças relacionadas ao ambiente interno.

Para saber mais:

Tese – Qualidade do Ar em um aeroporto do Rio de Janeiro
http://teses.icict.fiocruz.br/pdf/silveiramgd.pdf
Danielle Denny é advogada do escritório de Direito Ambiental Pinheiro Pedro Advogados e escreve regularmente neste canal.
Ivani Lucia Leme é farmacêutica-bioquímica com experiência profissional na área de avaliação de riscos em ambiente hospitalar e controle ambiental para controle de infecção relacionada à assistência hospitalar, com ênfase no risco biológico. É coordenadora do Núcleo de Avaliação e Controle Ambiental da Comissão de Epidemiologia Hospitalar do Hospital Universitário da UNIFESP desde 1999. É membro fundador do Projeto Hospitais Saudável em São Paulo, ponto focal no Brasil do grupo Health Care Without Harm e parceiro do grupo Salud sin Dano / Argentina na América Latina, ONGs sem fins lucrativos que introduzem conceitos de sustentabilidade, hospitais verdes e hospitais saudáveis no setor saúde.

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