Páginas

03/11/2011

A contemporanidade se assemelha a uma Fita de Möbius

Por Danielle Denny




Como em uma Fita de Möbius, em nosso dia a dia, altamente mediatizado, é difícil determinar o que está dentro e o que está fora do real . O que permite a interface são as conectividades, o incessante ir e vir entre imagens e realidade. Nesse contexto, o conceito de imagem complexa, de Josep M. Català, é essencial para se entender os ecossistemas comunicacionais, inclusive os possibilitados pela Internet.

A Escola de Desenho Industrial de Ulm, berço do expressionismo geométrico, com o uso do conceito matemático de topologia, criou a Fita de Möbius, completamente fora da geometria euclidiana tridimensional. A figura em si é relativamente fácil de ser produzida, basta uma fita de cetim torcida uma vez e unida pelas duas pontas. Curiosamente, no entanto, ao passarmos o dedo pela fita iremos do lado áspero ao liso ininterruptamente. Assim, uma simples fita de cetim acaba com o conceito de dicotomia, fora ou dentro, áspero ou liso. Nela o lado de fora também é o lado de dentro e o lado áspero também é o lado liso. Essa complexidade matemática é fundamental para que computadores possam processar a quantidade de dados que fazem hoje.


Essa complexidade não é prerrogativa da Internet ou dos computadores. Ela é aplicável a várias formas de expressão cultural.Também nas narrativas cinematográficas, por exemplo. Filmes de ficção sempre contém algo de realidade da mesma forma que sempre há procedimentos artisticos no estilo documental.  Principalmente três tipos: fotomotagem (como no Surrealismo), uso da forma ensaio (como utilizada por Montaigne – primeiro ensaista que fez uso desse estilo deliberadamente), e giro subjetivo.

Tanto o cinema  como a literatura do sec XX e XXI são notórios pelos giros subjetivos. O Eu e as experiências pessoais do autor estão sempre em evidência. O que resulta na colocação da visão pessoal do autor na obra. Isso acontece também nos documentários, apesar da proposta de isenção e objetividade.

A fotomontagem foi a primeira intuição estética de fragmentação da realidade. Os artistas surrealistas passaram a fazer isso deliberadamente, com significado de deixar fluir a sujetividade, o subconsiciente (atitude inspirada na obra de Freud). Mas depois da subjetividade produzir os fragmentos de idéias, uma racionalidade tem de entrar em cena para processar o conjunto. Assim, temos de pensar com esses fragmentos uma nova realidade.

Cine ensaio produz os ensaios da literatura com as imagens. Imagens são interface, meio, técnica. Segundo Josep M. Català, nesse estilo “no hay una finalidad, hay um pensamento”, os ensaios não se encaixam em tipos literários formais, “el ensayista cria su propria realidad, es antimetodologico”. É como a imagem interface, com a qual a pessoa interage e altera assim a realidade. Diferentemente de um filme histórico no qual o documentarista vai buscar imagens, ilustraçoes, referenciais, para ilustrar seu discurso, no cine ensaio as imagens não são referenciais, são manifestações do inconsciente.

Um exemplo de filme ensaio, trazido pelo pesquisador é “La espigadora y los espigadores”, de Agnes Varda, 2000, que explora a relação entre sujeito e objeto. Agnes Varda, tentando pegar os caminhoes com sua mão de cinegrafista, rompe o espelho da perspectiva renascentista. A mão passa a fazer a interface, fazer o contato entre a realidade de fora e de dentro do filme. Passa a ser, para o mesmo professor “Prolongación de la mirada, no mas estan en perspectiva.”

A realidade hoje está duplicada porque todos têm máquinas fotográficas e filmadoras nos celulares, mas essa segunda realidade não é igual, abre novas possibildiade. Há tipos de interatividade que não pressupoem o tipo de interatividade dos computadores. Podem ser como o uso de um quadro de Leonardo da Vinci em uma instalação ou em um desenho animado como o dos Simpsons, abrindo, assim, o quadro fechado de Leonardo da Vinci.

Cliff Evans, em “Citzen: the wolf and the Nany (2009)”, utiliza os trípticos pré renascimento. O Renascimento quis aplicar a “unidad de la mirada aristotélica”, fazendo a imagem “una ventana al mundo” (expressões de Català). Já os pintores medievais, representavam vários tempos e vários momentos e vários personagens no mesmo quadro. Cliff da mesma forma usa elementos de colagem, recolhe fragmentos e os conecta, para “descomponer el espacio de configuración con el movimento” (ainda Català), prolonga assim as imagens de modo fluido.

A visão do tempo na nova realidade fluida permite a articulação no mesmo plano de intuições artisticas e científicas. Tendemos a projetar uma narrativa sobre tudo. Mas constantemente estão nos desmetindo essa expectativa. Significado nao está sempre presente mas tambem nao desaparece todo. A coerência é desmentida pela imagem mas não de todo, pela interface, pela dialetica. O distanciamento do espectador e o impulso do movimento são os articuladores das imagens (semelhante ao que acontecia no Barroco). Também há uma articulação do espaço em um tempo que é fluido. Vivimos uma época de visualização do tempo, nao apenas o vivenciamos de forma existencialista.

Em The invisible shape of things past. o tempo é claramente colocado como objeto que pode ser explorado. Realidade aumentada pela inclusão de elementos de outra realidade. Graças a novas tecnologias e tambem a uma nova concepção de tempo e espaço. Fluidez da forma que acaba se solidificando (como intuiram as obras de Salvador Dali ou de Francis Bacon.

O tipo de representação estável, permanente, foi rompido. A frase do Manifesto Comunista, de Marx e Engels: “Tudo o que era sólido se desmancha no ar” se converteu em realidade. Sistemas excluentes, como se for branco não pode ser preto, estão em desuso, pois hoje pode ser os dois, branco e preto, a complexidade pode, e deve, pensar criticamente isso, sem adotar uma crítica excludente. O modelo é a Fita de Möbius.

Danielle Denny participou, a convite do Grupo de Pesquisa Comunicação e Cultura Visual, do Mestrado em Comunicação da Faculdade Cásper Líbero e da Faculdade Cásper Líbero, do Seminário: “Imagem complexa: representação visual e conhecimento”, ministrado pelo Prof. Josep M. Català, na Faculdade Cásper Líbero, em 1º e 3 de novembro de 2011.


Nenhum comentário:

Postar um comentário