Por Danielle Denny
Como em uma Fita de Möbius, em nosso dia a dia, altamente
mediatizado, é difícil determinar o que está dentro e o que está fora do real .
O que permite a interface são as conectividades, o incessante ir e vir entre
imagens e realidade. Nesse contexto, o conceito de imagem complexa, de Josep M.
Català, é essencial para se entender os ecossistemas comunicacionais, inclusive
os possibilitados pela Internet.
A Escola de Desenho Industrial de Ulm, berço do
expressionismo geométrico, com o uso do conceito matemático de topologia, criou
a Fita de Möbius, completamente fora da geometria euclidiana tridimensional. A
figura em si é relativamente fácil de ser produzida, basta uma fita de cetim
torcida uma vez e unida pelas duas pontas. Curiosamente, no entanto, ao passarmos
o dedo pela fita iremos do lado áspero ao liso ininterruptamente. Assim, uma
simples fita de cetim acaba com o conceito de dicotomia, fora ou dentro, áspero
ou liso. Nela o lado de fora também é o lado de dentro e o lado áspero também é
o lado liso. Essa complexidade matemática é fundamental para que computadores
possam processar a quantidade de dados que fazem hoje.
Essa complexidade não é prerrogativa da Internet ou dos
computadores. Ela é aplicável a várias formas de expressão cultural.Também nas
narrativas cinematográficas, por exemplo. Filmes de ficção sempre contém algo
de realidade da mesma forma que sempre há procedimentos artisticos no estilo
documental. Principalmente três tipos: fotomotagem
(como no Surrealismo), uso da forma ensaio (como utilizada por Montaigne –
primeiro ensaista que fez uso desse estilo deliberadamente), e giro subjetivo.
Tanto o cinema como a
literatura do sec XX e XXI são notórios pelos giros subjetivos. O Eu e as
experiências pessoais do autor estão sempre em evidência. O que resulta na
colocação da visão pessoal do autor na obra. Isso acontece também nos
documentários, apesar da proposta de isenção e objetividade.
A fotomontagem foi a primeira intuição estética de
fragmentação da realidade. Os artistas surrealistas passaram a fazer isso
deliberadamente, com significado de deixar fluir a sujetividade, o
subconsiciente (atitude inspirada na obra de Freud). Mas depois da
subjetividade produzir os fragmentos de idéias, uma racionalidade tem de entrar
em cena para processar o conjunto. Assim, temos de pensar com esses fragmentos
uma nova realidade.
Cine ensaio produz os ensaios da literatura com as imagens.
Imagens são interface, meio, técnica. Segundo Josep M. Català, nesse estilo “no
hay una finalidad, hay um pensamento”, os ensaios não se encaixam em tipos
literários formais, “el ensayista cria su propria realidad, es antimetodologico”.
É como a imagem interface, com a qual a pessoa interage e altera assim a
realidade. Diferentemente de um filme histórico no qual o documentarista vai
buscar imagens, ilustraçoes, referenciais, para ilustrar seu discurso, no cine
ensaio as imagens não são referenciais, são manifestações do inconsciente.
Um exemplo de filme ensaio, trazido pelo pesquisador é “La
espigadora y los espigadores”, de Agnes Varda, 2000, que explora a relação
entre sujeito e objeto. Agnes Varda, tentando pegar os caminhoes com sua mão de
cinegrafista, rompe o espelho da perspectiva renascentista. A mão passa a fazer
a interface, fazer o contato entre a realidade de fora e de dentro do filme.
Passa a ser, para o mesmo professor “Prolongación de la mirada, no mas estan en
perspectiva.”
A realidade hoje está duplicada porque todos têm máquinas
fotográficas e filmadoras nos celulares, mas essa segunda realidade não é
igual, abre novas possibildiade. Há tipos de interatividade que não pressupoem
o tipo de interatividade dos computadores. Podem ser como o uso de um quadro de
Leonardo da Vinci em uma instalação ou em um desenho animado como o dos Simpsons,
abrindo, assim, o quadro fechado de Leonardo da Vinci.
Cliff Evans, em “Citzen: the wolf and the Nany (2009)”, utiliza
os trípticos pré renascimento. O Renascimento quis aplicar a “unidad de la
mirada aristotélica”, fazendo a imagem “una ventana al mundo” (expressões de
Català). Já os pintores medievais, representavam vários tempos e vários
momentos e vários personagens no mesmo quadro. Cliff da mesma forma usa elementos
de colagem, recolhe fragmentos e os conecta, para “descomponer el espacio de
configuración con el movimento” (ainda Català), prolonga assim as imagens de
modo fluido.
A visão do tempo na nova realidade fluida permite a
articulação no mesmo plano de intuições artisticas e científicas. Tendemos a
projetar uma narrativa sobre tudo. Mas constantemente estão nos desmetindo essa
expectativa. Significado nao está sempre presente mas tambem nao desaparece
todo. A coerência é desmentida pela imagem mas não de todo, pela interface,
pela dialetica. O distanciamento do espectador e o impulso do movimento são os articuladores
das imagens (semelhante ao que acontecia no Barroco). Também há uma articulação
do espaço em um tempo que é fluido. Vivimos uma época de visualização do tempo,
nao apenas o vivenciamos de forma existencialista.
Em The invisible shape of things past. o tempo é claramente colocado como objeto que pode ser explorado. Realidade
aumentada pela inclusão de elementos de outra realidade. Graças a novas
tecnologias e tambem a uma nova concepção de tempo e espaço. Fluidez da forma
que acaba se solidificando (como intuiram as obras de Salvador Dali ou de
Francis Bacon.
O tipo de representação estável, permanente, foi rompido. A
frase do Manifesto Comunista, de Marx e Engels: “Tudo o que era sólido se
desmancha no ar” se converteu em realidade. Sistemas excluentes, como se for
branco não pode ser preto, estão em desuso, pois hoje pode ser os dois, branco
e preto, a complexidade pode, e deve, pensar criticamente isso, sem adotar uma crítica
excludente. O modelo é a Fita de Möbius.
Danielle Denny participou, a convite do Grupo de Pesquisa
Comunicação e Cultura Visual, do Mestrado em Comunicação da Faculdade Cásper
Líbero e da Faculdade Cásper Líbero, do
Seminário: “Imagem complexa: representação visual e conhecimento”, ministrado
pelo Prof. Josep M. Català, na
Faculdade Cásper Líbero, em 1º e 3 de novembro de 2011.
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