PARLAMENTO
COMO PROMOTOR DE DESENVOLVIMENTO
29 e 30 de agosto em Brasília
Antonio Carlos Mendes
Thame[1]
Resumo: Este trabalho discorre
sobre a função do Parlamento de legislar de forma democrática a fim de promover
o desenvolvimento socioambientalmente responsável. Analisa o caso específico do
Brasil em que o Congresso tem particularidades específicas de um sistema
Presidencialista de coalizão e um sistema tributário fiscal bem estruturado
constitucionalmente.
Palavras-Chave: Desenvolvimento, Meio
Ambiente, Parlamento, Política
Desenvolvimento sustentável
Neste trabalho será analisado o papel do Parlamento como
indutor do desenvolvimento, contudo, não é qualquer desenvolvimento que
interessa ao Brasil, o objetivo é conseguir manter e aumentar a sustentabilidade
de nosso modelo econômico. De acordo com o Relatório Brundtland, Nosso Futuro
Comum, publicado em 1987 o desenvolvimento sustentável é o que satisfaz as
necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de
suprir suas próprias necessidades.
O Brasil, apesar de um parque industrial considerável que
abastece principalmente o mercado interno, é considerado o principal “celeiro
agrícola” do mundo. E a área destinada à agricultura ainda pequena, relativamente
à de países como China e Estados Unidos, apenas 20% do território brasileiro
destina-se à produção agrícola. Isso porque a agroindústria brasileira é
altamente intensiva, mecanizada e competitiva no mercado global.
Desde a colonização brasileira a opção agroexportadora
dominou a economia nacional, pois sem encontrar metais preciosos, os
portugueses cultivaram a cana-de-açúcar. Depois o café, no Vale do Ribeira e depois
no Oeste Paulista, dominou a pauta exportadora e financiou a industrialização
forçada por políticas publicas desenvolvimentistas relativamente constantes desde
Getúlio Vargas até o milagre econômico. Também foram bens agrícolas com
participação expressiva na balança comercial brasileira o algodão no Maranhão,
o cacau no sul da Bahia e a borracha na Amazônia.
Ainda hoje a exportação brasileira é capitaneada por produtos
agrícolas. No topo está a soja e seus derivados. Embora a agricultura componha
parcela bem menor do PIB em virtude da maior diversificação da economia brasileira
que inclui até produtos de alto valor agregado, como aviões da Embraer, ainda é
da comercialização de recursos naturais a maior fonte de recursos produtivos.
A equatoriedade e tropicalidade do Brasil, com alta
incidência de luz solar, abundância de recursos hídricos, terras férteis, como
os latossolos massapé e a terra roxa, favorecem a agricultura brasileira. Mas o
grande diferencial é o investimento em ciência e tecnologia. Estima-se que o
sucesso agrícola seja dependente 15 % da natureza e 85% de conhecimento,
tecnologia, financiamento, transporte, logística, serviço, capital humano,
capital social.
Na década de 1940, a Revolução Verde melhorou os
maquinários, defensivos e fertilizantes. Nos anos de 1970, os complexos
agroindustriais melhoraram o processo de produção agrícola e o beneficiamento
dos produtos. A agroindústria acelerou os tempos da natureza ao introduzir o
meio técnico-científico-informacional (SANTOS, 2001: 54) no campo. No Brasil, a
criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA, em 1972, foi
fundamental para esse processo. A soja, por exemplo, pode ser cultivada nos
solos do Centro Oeste por meio do método calagem que diminui a acidez típica da
região e responsável pelos troncos retorcidos que marcam a paisagem.
Atualmente a situação do Brasil é paradigmática dentro do
desafio global de equacionar o crescimento econômico com a sustentabilidade socioambiental,
somos muito ricos em recursos naturais e diversidade biológica, mas sofremos
com uma desigualdade social aviltante. As pressões da crescente população por desenvolvimento
industrial precisam ser conduzidas para possibilidades socioambientalmente
responsáveis.
Norman Borlaug, laureado com o Prêmio Nobel da Paz e um
dos agrônomos fundadores da Revolução Verde, considerava que estamos vivendo uma
segunda revolução a base de transgênicos e biotecnologias. A opção técnica pode
não ser exatamente essa, mas sem dúvida tem de ser desenvolvidos modos de
produção mais eficazes e menos degradantes ao meio ambiente, que sustentem o
incremento da população mundial e respeitem o meio ambiente. O Brasil dispõe de
uma significativa vantagem para liderar esse processo e aplicar políticas
públicas indutoras do desenvolvimento sustentável.
Leis indutoras
Via de regra as transformações tecnológicas privilegiavam
aumento da produtividade da mão de obra, em um século houve 200 vezes mais
produtividade. Mas é possível aumentar a produtividade também do recurso
natural. Um metro cúbico de água tirado de uma bacia hidrográfica se for usado
em uma siderúrgica 20 vezes, aumentará em 20% a produtividade dessa água. O
Parlamento com seu poder específico de fazer leis pode induzir essa realidade.
Um exemplo é a Política Nacional de Resíduos Sólidos -
PNRS, cujo objetivo é que a intensidade de recursos naturais diminua
sensivelmente com a miniaturização dos equipamentos, a implementação da
logística reversa e cobranças específicas. Criada pela Lei nº 12.305/2010,
prevê o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, com prazo indeterminado e
atualização a cada quatro anos contendo:
“I - diagnóstico da situação atual dos resíduos
sólidos; II - proposição de cenários, incluindo tendências internacionais e
macroeconômicas; III - metas de redução,
reutilização, reciclagem, entre outras, com vistas a reduzir a quantidade de
resíduos e rejeitos encaminhados para disposição final ambientalmente adequada;
IV - metas para o aproveitamento energético
dos gases gerados nas unidades de disposição final de resíduos sólidos; V - metas para a eliminação e
recuperação de lixões, associadas à inclusão social e à emancipação econômica de catadores de
materiais reutilizáveis e recicláveis; VI -
programas, projetos e ações para o atendimento das metas previstas; VII
- normas e condicionantes técnicas para o acesso a recursos da União, para a
obtenção de seu aval ou para o acesso a recursos administrados, direta
ou indiretamente, por
entidade federal, quando
destinados a ações
e programas de interesse dos resíduos sólidos; VIII - medidas para
incentivar e viabilizar a gestão regionalizada dos resíduos sólidos; IX -
diretrizes para o planejamento e demais atividades de gestão
de resíduos sólidos
das regiões integradas
de desenvolvimento instituídas
por lei complementar, bem como para as áreas de
especial interesse turístico; X -
normas e diretrizes para a disposição final de rejeitos e, quando couber, de
resíduos; XI - meios a serem utilizados para o controle e a fiscalização, no
âmbito nacional, de sua implementação e operacionalização, assegurado o controle social.” (LIMA, 2008,
p. 365).
Hoje, o Brasil conta com um Plano Nacional sobre Mudança
do Clima – PNMC (2008), uma Política Nacional de Mudanças Climáticas (Lei nº
12.187/2009) que estabelece metas voluntárias de redução de emissões de gases
de efeito estufa - GEE (entre 36,1% e 38,9% até 2020), bem como um Fundo
Nacional sobre Mudança do Clima (Lei nº 12.014/2009), que formam com a PNRS e a
Lei Federal de Saneamento Básico (Lei nº 11.445/2007) um arcabouço
jurídico-institucional decisivo para o desenvolvimento sustentável.
Apesar disso, o Parlamento ainda pode fazer muito mais,
haja vista que os instrumentos econômicos aplicáveis à gestão de recursos
naturais são ainda muito incipientes no Brasil. Tais instrumentos possuem três
principais funções: financiar os serviços de gestão; orientar o comportamento
dos agentes (gestores públicos, população e o setor produtivo) para cumprimento
das metas municipais, estaduais e federais; e internalizar no preço os impactos
gerados.
A Lei Federal de Saneamento Básico (Lei nº 11.445/2007) determina
em seu Capítulo VI, artigo 29, que haverá “para limpeza urbana e manejo de
resíduos sólidos urbanos: taxas ou tarifas e outros preços públicos, em
conformidade com o regime de prestação do serviço ou de suas atividades”. O uso
desses instrumentos, porém, ainda está muito aquém do necessário, 61,4% dos
municípios brasileiros não cobram pela gestão dos resíduos sólidos e 35,7%
possuem taxas vinculadas ao IPTU, Taxa de Limpeza Urbana, o que dificulta o
controle do volume de resíduos produzidos pelos domicílios pois deixa de
implementar o princípio do poluidor-pagador.
Entre as funções das leis está implementar políticas
públicas de intervenção do Estado na atividade econômica de forma ordenada e
coordenada. O sistema tributário nacional prevê tributos extrafiscais, cujo fim
não é servir de veículo de arrecadação, mas de realização dos princípios
constitucionais como a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, o
desenvolvimento sustentável, a função socioambiental da propriedade, o
princípio da precaução, da prevenção e do usuário-pagador.
São tributos extrafiscais: IPI, ICMS, IPVA, ITR, IPTU, PIS
e COFINS. Para esse tipo de tributo pode haver seletividade e progressividade
respeitando a não cumulatividade, em outras palavras, pode haver tratamento
tributário diferenciado de acordo com o impacto socioambiental que um bem ou
serviço produza. Além desses tributos, é cabível a instituição de taxas pra
financiar a fiscalização da administração pública, contribuições como CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) para regular a economia verde e
contribuições de melhoria ou empréstimos compulsórios para financiar obras
públicas ambientais.
Cabe também a leis articular o mercado de carbono nacional
com metas e sistemas internos de controle das emissões de gases de efeito
estufa baseados em estruturas de limite e comercialização (cap-and-trade) que
prevê a obrigatoriedade das atividades que emitirem além das metas de comprarem
créditos de carbono; e de linha de base e créditos (baseline-and-credit) a qual
confere créditos às fontes emissoras que ficarem aquém da meta estabelecida.
Esse sistema consegue compartilhar com todas as fontes emissoras a
responsabilidade de aumentar sua eficiência e ao mesmo tempo oferece maior
flexibilidade no cumprimento das metas do que simplesmente a opção tradicional
de normas de comando e controle, que prevê punições àqueles que não obedecerem
as determinações legais.
Os efeitos das emissões são os mesmos independentemente da
origem e do lugar em que ocorreram e os custos de implementar tecnologias ou
processos mais econômicos e reduzir, com isso, as emissões variam muito de
acordo com o setor, local, atividade o que favorece a negociação. Além disso, todos
os efeitos nocivos das mudanças climáticas são causados pelas emissões de gases
de efeito estufa, a grande maioria das atividades podem ter suas emissões
quantificadas, assim, é possível identificar um ‘inimigo comum’: as emissões de
gases de efeito estufa. Assim, se o carbono for precificado e comercializado, além
do meio ambiente ser protegido, estrutura-se um sistema eficaz para obtenção de
recursos e para economia do dinheiro que seria gasto com cumprimento de normas
de comando e controle e com subsídios. Os recursos decorrentes desse sistema
podem ainda ser atrelados ao financiamento de pesquisa e tecnologia ou de
modernização de parque industrial, por exemplo.
O Parlamento pode, ainda, legislar no sentido de reprimir
atividades danosas ou potencialmente perigosas como: os grandes latifúndios
improdutivos para especulação fundiária (prejudiciais ao meio ambiente, à
expansão da agroindústria e à reforma agrária); e a pecuária extensiva, que devasta
grandes áreas de vegetação desnecessariamente, ocupa espaços que poderiam ser
utilizados para expandir terras agricultáveis e contribui para o aumento das
emissões de gases de efeito estufa.
Também a regulação declaratória cria as ferramentas para a
posterior aplicação dos órgãos ambientais. Um exemplo é o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação – SNUC, pelo qual se estabeleceu no Brasil áreas
preservacionistas, como estações ecológicas, e áreas conservacionistas, como as
florestas nacionais, a fim de conter problemas de devastação ambiental, como o
desmatamento.
Por último, leis podem instituir os subsídios às
tecnologias limpas como os de incentivo ao uso de biocombustíveis, o fim dos
subsídios aos produtos intensivos em recursos naturais como os subsídios aos
preços e à produção de combustíveis fósseis (que em 2008 consumiu US$ 650
bilhões), por exemplo, e o condicionamento do gasto governamental ao
cumprimento de certas condicionantes socioambientais a serem obrigatoriamente
previstas em todos os contratos firmados pela a administração direta e indireta.
Na Suíça, por exemplo, 2/3 do tributo sobre o carbono pode
ser sacado pelo contribuinte para reformar sua casa de forma a torná-la mais
eficiente e menos poluidora. A medida, além de ser uma forma de transferir para
a iniciativa privada os custos da transição para a economia verde, serve de
incentivo para o setor da construção civil e para a área de pesquisa e
tecnologia.
Enfim, são muitas as ferramentas pela qual a administração
pública por meio do processo democrático de produção de leis, com seu
Parlamento exercendo o papel de protagonista, pode contornar as falhas de
mercado que são as condições que impedem que a livre concorrência, por meio da
maximização dos lucros atinja a maior eficiência. São casos em que o Estado
precisa intervir para conduzir a economia para uma situação melhor.
Investimentos volumosos de longo prazo de maturação e pouco rentáveis, por
exemplo, que não interessariam ao setor privado por si só, mas podem ter um
grande benefício socioambiental, precisam ser subsidiados para que ganhe
viabilidade econômica. Externalidades negativas como a poluição e a escassez de
recursos precisam ser penalizadas e desestimulas por meio de multas e taxação
respectivamente. E mercados incompletos tem de ser preenchidos pela concessão
de crédito de longo prazo para financiar investimentos socioambientalmente
responsáveis mitigando os riscos do negócio. Falhas de informação podem ser
contornadas com regulação que exija maior transparência como a obrigatoriedade
de relatório de emissões de gases de efeito estufa.
No contexto internacional, os parlamentares dispõem de
vários instrumentos de participação na introjeção do acordado externamente pelo
Ministério das Relações Exteriores, e pelo Presidente da República (chefe de
Estado e de Governo, segundo a Constituição Brasileira) como os pedidos de
vista, os requerimentos de audiência pública e de esclarecimento e claro, a
possibilidade extremada do veto total.
Considerações finais
O Programa das Nações Unidas para Meio Ambiente estima que
um investimento anual de apenas 2% do PIB global (US$ 1,3 trilhão) em dez
setores-chave (agricultura, edificações, energia, pesca, silvicultura,
indústria, turismo, transporte, água e gestão de resíduos) pode dar início à
transição para uma economia verde, de baixo carbono, com eficiência de recursos
e socialmente inclusiva. Esse valor precisa ser mobilizado por meio de leis que
instituam políticas públicas inteligentes e mecanismos de financiamento
inovadores.
A atuação legislativa parlamentar é profícua e crucial
para contornar essas falhas de mercado, conduzindo a economia brasileira para
um caminho mais verde. E o protagonismo do Brasil, com os países não-OECD, como
China e a Índia, é fundamental nessa transição, atualmente são os que mais
investem em renováveis, sua parcela dos investimentos globais subiu de 29% em
2007 para 40% em 2008.
Mudanças na política pública dependem de três aspectos:
legislação, dotação de recursos e conscientização popular. O Congresso Nacional
tem papel importante em todos eles. Pode elaborar leis de comando e controle e
leis de incentivo que induzam comportamentos positivos para o desenvolvimento
socioambientalmente responsáveis ou que penalizem ou onerem veementemente
condutas prejudiciais. Na aprovação do orçamento do Executivo, pode não
autorizar gastos que sejam descomprometidos com a responsabilidade
socioambiental do Estado.
E com seus respectivos eleitores, os parlamentares são
resultado de um determinado público, mas têm a responsabilidade de desenvolver
programas de conscientização e de prestação de contas, favorecendo o
engajamento a fim de transformar preocupações em valores ambientais, com
mudança de comportamento em relação às atitudes pessoais e à exigência de
políticas socioambientais. Afinal, vontade política não nasce por geração espontânea
ela é decorrente da pressão da sociedade organizada, em uma via de mão dupla.
***********
Colaborou
com a elaboração do presente artigo Danielle Mendes Thame Denny[2]
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[1] Deputado Federal,
advogado, agrônomo e professor licenciado Departamento de Economia da Escola
Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo
(ESALQ/USP). http://www.mendesthame.com.br contato@mendesthame.com.br
[2] Advogada e pesquisadora de
Comunicação na Contemporaneidade na Faculdade Cásper Líbero com o Grupo de
Pesquisa Comunicação e Cultura do Ouvir. http://lattes.cnpq.br/8898848038418809
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