BAITELLO JUNIOR,
Norval. A era da iconofagia: ensaios de comunicação e cultura. São Paulo:
Hacker, 2005.
Prefácio: devorar
imagens? Ser devorado por elas?
1 – A ocidentação.
Iconofagia e ocidentação: a preda dos símbolos diretores e o esvaziamento das
imagens
“ A longa vida dos
símbolos somente é possível graças aos seus suportes, as imagens, (não importa
em que tipo de linguagem, se visual, se auditiva, se olfativa, tátil ou
performativa). No entanto, não é o suporte que se esvazia, senão os símbolos
que se perdem quando se inflacionam e esvaziam as imagens. A crise da
visibilidade não é uma crise das imagens, mas uma rarefação de sua capacidade
de apelo. Quando o apelo entra em crise, são necessárias mais e mais imagens
para se alcançar os mesmos efeitos. O que se tem então é uma descontrolada
reprodutibilidade.” (BAITELLO JR., 2005: 14)
“Símbolos são
grandes sínteses sociais, resultantes da elaboração de grandes complexos de
imagens e vivências de todos os tipos. Por isso as imagens evocam os símbolos e
ao evocá-los, os ritualizam e os atualizam.” (BAITELLO JR., 2005: 17)
“Imagens são, por
natureza, fóbicas. Evocam e atualizam o medo primordial da morte, uma vez que
elas originariamente foram feitas para vencer a morte. O medo da morte é que
nos conduz a emprestar a vida e a longa vida aos símbolos. Pois é em sua longa
vida que prorrogamos e prolongamos a nossa própria vida, simbilicamente. .”
(BAITELLO JR., 2005: 17)
“ A propósito do
esquecimento, não se pode ignorar a figura mitológica do rio Lete, situado no
mundo ctônio, de cujas águas bebiam os mortos, para esquecer a vida terrestre e
os que renasciam, para esquecer o que viram no munod das sombras. O
esquecimento ou arquivamento constitui uma forma de antídoto para a profusão e
inflação das imagens (...) e acaba sendo indispensável. (...) Dietmar Kamper,
porém, aponta para um outro aspecto do problema: alerta para o crescimento
exponencial da invisibilidade, não mais por obra do esqueciemento deliberado,
por obra do descarte, mas antes por atuação excessiva e descontrolada das
imagens, pelo descontrole e pelo excesso da reprodução, portanto, pela sua
inflação. Trata-se aqui não mais da fadiga do objteto e seus materiais, mas da
fadiga do olhar e seu corpo, provocada pelo desmesurado abuso na
reprodutibilidade da imagem” (BAITELLO JR., 2005: 18)
Mais
próprio para a sociedade contemporânea que o ‘Penso, logo existo’ é o ‘Sou
visto, logo, existo’, pois a aparência é o norte da atual organização social.
“ ‘video, ergo
sum’. Esta variante do ‘cogito’, ainda possui uma versão mais atual ao
substituir o ‘video’ por ‘videor’, a forma passiva de ‘ver’, com o significado
de ‘ser visto’, ‘aparentar’, ‘passar por’, ‘assemelhar-se. Assim, ser visto,
aparentar, enfim, ser uma imagem, passam a ser o grande imperativo da era da
orientação em seu apogeu. (...) Não importa ser,importa parecer.” (BAITELLO
JR., 2005: 20)
“O mundo da luz e
da imagem tornou-se, pelo medo e pela fadiga do olhar, um mundo no qual cresce
desproporcional e exponencialmente o subterrâneo da sombra e do esquecimento.
Quanto mais se quer expor, mostrar, tornar visível, tanto mais se consegue
apenas aparentar, esconder, simular ou ofuscar.” (BAITELLO JR., 2005: 21)
“As estratégias da
imagem caminham lado a lado com as estratégias da produção e da economia
predatórias. Devoram-nos tanto os preceitos econômicos da era da orientação
como suas imagens, no afã de apropriação, expansão, crescimento e progresso. As
promessas pressupõem imortalidade da vida ilimitada, gozos e prazeres. Assim,
são hoje as imagens que nos devoram: um mundo de paraísos pré-adâmicos, somente
acess~iveis se abandonarmos nossos corpos, se os deixarmos definitivamente para
trãs, em prol de uma existência apenas em imagem (...) um mundo que nos quer
imagens puras como puros espíritos cartesianos, apenas res cogitans, sem res
extensa..” (BAITELLO JR., 2005: 22)
2 – A senilização.
A violência invisível na era da visibilidade. A mídia, a senilização e a
violência infanto-juvenil
“Apenas a violência
bruta encontra espaço nos veículos de comunicação de massa, na chamada mídia
informativa. O resultado disso ~e que todos nõs acabamos achando que violência
é apenas isso. E acabamos não tendo olhos e ouvidos para a violência que grassa
nos meandros das relações interpessoais, nos vínculos familiares, nos complexos
espaços das relações socais, na codificação e nas leis constitutivas de
sociedades e culturas nos preceitos coercitivos dos tempos da vida e do
trabalho e nas coerções brutais a que submentemos nosso próprio corpo, apenas
em nome de hábitos e crenças alimentados pela era da visibilidade. (...) Foi
Walter Benjamin, ele próprio vítima de notável de um tempo histórico da mais
bruta violência, quem chamou a atençã para a ‘violência lapidada’ com uma das
formas de manifestação da violência. (...) violência reinada que se veicula por
meio de s~imbolos, práticas cotidianas de adultos, instituições de ensino,
brinquedos aparentemente inovensivos, gestos, comportamentos e hábitos. ”
(BAITELLO JR., 2005: 26)
Artigo
inspirado nas folhas 26 a 28:
“O homo sapiens (que para o mesmo Edgar
Morin não é apenas sapiens mas também
demens) passa a conservar por toda
sua vida características próprias da criança e do adolescente: capacidade de
brincar e jogar, a disposição para aprender, a vitalidade e a força (física ou
simbólica), o espírito de desafio e competição. A face luminosa da
juvenilização é a ampliação do tempo de aprendizagem, a manutenção do espírito
de descoberta e a instituição de uma duradoura vitalidade, de uma vida
preenchida sempre com atividades novas e desafiadoras. O ‘tempo do muno’, tempo
social e cultural por excelência se projeta sobre o ‘tempo da vida’ (cf.
Blumenberg, 1986), alargando-o, fazendo-o elástico e desafiador dos limites da
própria natureza humana ” (BAITELLO JR., 2005: 27)
“O comunicólogo
espanhol Vicente Romano (1998) estuda e analisa o crescente processo de
privatização dos espaços públicos, que antes eram espaços de comunicação, festa
e proximidade, não associados ao consumo, mas associados à celebração e à
comunhão do espaço e do tempo. Com a privatização, passam os espaços a ser, em
primeira instância, espaços de grande apelo visual ao consumo. Estar no espaco
privado do comércio conduz ao atendimento das exigências do comércio. São,
portanto, espaços privados de coerção: por estarem no espaço do comércio, as
pessoas passam a ser visíveispelo que consomem e não por sua presença epela
comunhão do tempo e do espaço, não mais plea celebração da proximidade. A
visibilidade associada ao consumo torna-se o preceito primeiro a ser atendido.
.” (BAITELLO JR., 2005: 29)
“O jornalista e
comunicólogo Dominik Klenk (1998) escreve sobre a ‘colonização midiática do
tempo de vida’. Aponta que a média de tempo que alemães gastam com a mídia por
dia foi de 7 horas no ano de 1997 (em contraste com 3hs em 1964 e 5,5hs em
1990). Klenk afirma: ‘nosso tempo de vida é humano, limitado e insubstituível.
Ao lado do tempo do sono e do tempo laboral resta-nos ainda aquele que
entendemos genericamente como tempo livre. Este é também o tempo que dedicamos
a nossas relações pessoais, em que experimentamos, no encontro com outras
pessoas, nosso ‘ser pessoa’ e podemos vivenciar o presente.’ ” (BAITELLO JR.,
2005: 30)
“A era da
visibilidade, entretanto, nos transforma a todos em imagens, invertendo o vetor
da interação humana, criando a visão que se satisfaz apenas com a visão. A
comunicção de proximidade, interpessoal, familiar, fraternal, importante
dispositivo de equilibrio para as tensões e conflitos individuais, vem sendo
crescentemente suprimida pelas relações escravizadoras da era da visibilidade.
(...) Estaremos caminhando para uma sociedade que, por banir os traços e as
marcas do tempo, por banir o envelhecimento, a lentidão, por desvalorizar e por
fim também banir a proximidade, oferece às crianças, jovens e adolescentes um
horizonte obscurecido pelas excessivas luzes dos holofotes de um falso
presente, um presente in effigie, sem
corporeidade, sem presença, umpresente sem vida e sem surpresas.” (BAITELLO
JR., 2005: 30)
3- A sedação. Mídia
e sedação.
“Quando dois corpos
se encontram existe uma troca de informações visuais, olfativas, auditivas, táteis,
gustativas dependendo do tipo de encontro – por exemplo, duas pessoas que se
beijam trocam informações gustativas. Existe assim um processo de comunicação
extremamente complexo através dos sentidos de distância como a audição e a
visão, e dos sentidos de proximidade como o olfato, paladar e tato. (...) Os
estudiosos do comportamento descobriram que existe um microgesto da sobrancelha
que possibilita o nacimento de um vínculo comunicativo entre duas pessoas. E
esse microgesto dura um sexto de segundo e se chama ‘eyebrow flash’, que em
português foi traduzido por ‘deflagrar do supercílio’. Trata-se de uma
brevíssima elevação da sobrancelha com a qual sinalizamos favoravelmente a uma
aproximação quando encontramos uma pessoa desconhecida. (...) a mídia primária
– a voz, o cheiro, o gesto e o gosto – tem um limite temporal e espacial, exige
o tempo e o espaço do aqui e do agora” (BAITELLO JR., 2005: 32)
“(...)homem, sendo
um animal muito inquieto, percebeu, aprendeu com outros animais, que deixando
marcas em objetos, marcava sua presença, deixava a informação de sua presença
em sua ausência. (...) todos os suportes materiais fixos ou transportáveis são,
portanto, mídia secundária. Como se trata de sinais feitos por corpos, não
suprime a mídia primária. Apenas soma-se a ela um segundo ‘meio de campo’. A
imagem, as representações imagéticas, dentre elas a escrita, são dessa natureza.
(...) Só que a mídia secundária tem o limite de sua transportabilidade. O
espaço ainda é um obstáculo. Por outro lado, ela introduz um fator temporal
novo, inventando o tempo lento que é o tempo da escrita, da decodificação e da
decifração. O tempo da imagem registrada sobre materiais permanentes permite o
tempo lento da contemplação. Assim também toda escrita exige decifração e tudo
o que não deciframos nos devora – isto vale tanto para a imagem quanto para a
trua tranformção que é a escrita. (...) imagem e escrita são a própria negação
da morte, pois a durabilidade dos materiais garante a sobrevivência dos
registros ali deixados por corpos que não durarão tanto tempo. (...) O passo
seguinte: com o advento da era da eletricidade, desenvolvem-se sistemas de
mediação mais sofisticados utilizando um aparato de emissão e um aparato de
captação da mensagem. É aqui que surge a mídia terciária, desde o telégrafo, o
telefone, o rádio,a televisão até as atuais redes de computadores.” (BAITELLO
JR., 2005: 33 e 34)
“A mídia primária é
o começo e o fim, sempre, de todo o processo de comunicação. Ela sempre estará
lá dentro da mídia secundária e dentro da mídia terciária. Mas o que acontece
com o tempo na mídia terciária? Enquanto o tempo da mídia primária, que é
presencial, é o tempo do aqui e agora; enquanto tempo e espaco criam a presença
e o presente, condições indispensáveis para a comunicação primária, e enquanto
na mídia secundária o tempo se torna mais lento, na mídia terciária esse tempo
se acelera vertiginosamente. E com isso zera-se o espaço. Quando mandamos uma
mensagem via internet para o Japão, ela chega em um tempo desprezível, agora
mesmo. Tem-se a sensação de que o japão é ali mesmo. Resolve-se assim o
proplema do transporte, da transposição dos obstáculos associados ao espaço . O
que ocorre então com as imagens da mídia terciária? Elimina-se o tempo da
decifração e da contemplação em favor de uma sonoridade e uma visualidade em
ritmos acelerados. A mídia terciária decreta o fim do tempo contemplativo e
individualmente diferenciado. Igualmente eliminam-se os obstáculos do espaço em
sua concretude e em sua gravidade, uma vez que já não se transportam os
suportes que carregas os sinais, mas se transmitem os sinais sem seus
suportes.” (BAITELLO JR., 2005: 34)
“Não me refiro aqui
às imagens interiores mas às imagens em sua materialidade de mídia secundária,
que exigem o tempo lento da leitura e da decifração. Este tempo é necessário
para o confronto e o diálogo com as nossas imagens interiores. Nesse diálogo é
que nós nos espelhamos, nos enriquecemos, bebemos, vivemos e multipicamos o
nosso espaço comunicativo. É com esse diálogo que nós aprendemos a ver, a nos
ver e a ver o mundo. Por isso é que a imagem exige um tempo lento e a
decifração. Quando não temos o tempo – na mídia terciária não temos tempo da
decifração – ocorre uma inversão. Ao invés de as imagens nos alimentarem o
mundointerior, é nosso mundo interior que vai servir de alimento para elas,
girar em torno delas, servir de escravo para elas. Transformamo-nos em sombras das
imagens, ou objetos da sua devoração. No momento em que não as deciframos, não
nos apropriamos delas e elas nos devoram. Nossos índios praticavam a
antropofagia ritual. Os nossos artistas dos anos 20 falaram da antropofagia
cultural contra todos os colonialismos. Nossa era contemporânea pratica a
iconofagia: ou nós devoramos as imagens, ou são as imagens que nos devoram .”
(BAITELLO JR., 2005: 35)
“De saltadores e
nômades, o sedentarismo nos fez vulcões prontos para explodir a qualquer
momento. Assim foram e são necessários os sistemas de “sentação” e de sedação,
para acalmar e amansar os velhos saltadores e incansáveis andarilhos. Para
manter sentados os velhos e novos guerreiros criaram-se intituições de
educação, de formação, de informação e de entretenimento que nos acompanham a
vida toda: as escolas, as igrejas, a mídia, a indústria de entretenimento. E
seus instrumentos de sedação sempre foram e continuam sendo nada mais que as
imagens (não importa em que linguagem, se acústico-verbais, visuais, cinético-performáticas,
musicais etc). O processo de sedação encontra na crescente produção de imagens
da mídia terciária um poderoso aliado .” (BAITELLO JR., 2005: 36 e 37)
“Quando sentamos o
corpo, sentamos também a nossa base comunicativa, nossa mídia primária e sua
capacidade de gerar linguagens e vinculos comunicativos. Assim estamos sedando
o corpo, mas ao lado de sedar o corpo, estamos sentando e amansando,
domesticano o próprio pensamento. Nossa capacidade de pensar, de comunicar, de
agir, acaba sendo ditada de alguma forma pela cadeira. (...) Um pensamento
sentado significa um agir acomodadeo, conformado e amansado, incapaz de sequer
decifrar o mundo ao seu redor e menos capaz ainda de atuar de modo
transformador. Cabe-nos hoje pensar – com o pensamento em pé, pronto para
saltar ou corrrer – o que é que está fazendo o desenvolvimento da mídia com as
nossas mentes. Transformando-nos em seres sentados e sedados? .” (BAITELLO JR., 2005: 37)
4- A perda do
presente
“A expressão
benjaminiana de ‘ estetização da política’ traduz exatamente o processo de
utilização indiscriminada de imagens para fins de redução do horizonte
perceptivo do homen comum. Assim, as imagens não foram propriamente
inflacionadas pela reprodutibilidade técnica, mas pela idolatria aos deuses
implacáveis que se escondiam em seus subterrâneos, os deuses que comandam, nos
bastidores, a asséptica primazia da grande escala e da automação (e todos seus
desdobramentos), os mesmos deusers restauradores da distância como imperativo
.” (BAITELLO JR., 2005: 41)
“Johan Galtung define
violência como ‘todo ataque evitãvel contra as necessidades humanas básicas e
contra a vida em geral. Por meio da violência as possibilidades de satisfação
das necessidades são minimizadas e mantidas sob pressão em um baixo nível. Como
violência contam também as ameaças de violência.’ Galtung classifica ainda
quatro tipos de ‘violência direta’ e quatro tipos de ‘violência indireta ou
estrutural’, respectivamente contra: a) sobrevivência; b) bem-estar; c)
identidade; e, e) liberdade. Enfatiza ainda que ‘estruturas de violência deixam
rastros não apenas no corpo, mas também no pensamento’. Vamos tomar aqui apenas
aquilo que ele denomina ‘violência contra a identidade’, quando direta, que se
manifesta nos procesos de ‘dessocialização, ressocialização e geração de
cidadãos de segunda classe’ e, quando indireta ou estrutural, mnifesta-se
naquilo que Galtung chama de ‘penetração e nomização’ (Normierung). Por
‘penetração’ entende os fenômenos nos quais ‘o favorecido (Begünstigter) abre
um espaço no desfavorecido (Benachteiligter) e por normização entende o
processo no qual ao desfavorecido se possibilita apenas uma visão limitada
sobre as coisas.” (BAITELLO JR., 2005: 41-42)
“A distribuição de
símbolos e imagens, seja ela feita pelos códigos da visualidade ou por outros
códigos, cria grandes complexos de vínculos comunicativos – grupos, tribos,
seitas, crenças, sociedades, culturas – e , com isso, cria realidades que não
apenas podem interferir na vida das pessoas, como de fato determinam seus
destinos, moldam sua percepção, impõem-lhes restrições, definem recortes e
janelas para o seu mundo.” (BAITELLO JR., 2005: 42)
“A perda do corpo,
no entanto, não se dã, pelo que parece, apenas ns casos de distúrbios
biológicos. Pouco se estudou ainda o fenômeno da perda do corpo causada por
fatores sociais e culturais. Talvez a hipertrofia da comunicação pelas imagens,
portanto da visão, aliada ao abuso dos sentidos de distância esteja produzindo
um tipo de violência contra a integridade do próprio corpo. Não se poderia indagar
se o diálogo entre a visão e a propriocepção nao seria também válido na outra
direção, ou seja, de tantas imagens, tanta visão, não estaríamos perdendo aos
poucos a sensação do próprio corpo, o espaço do eu? Não seria o caso de nos
perguntarmos se não estamos também gerando, com isso, uma dificuldade crescente
de nos colocarmos ( e/ou nos sentirmos ) no espaço e no tempo que nos cabem no
mundo? Isto envolveria a perda do próprio corpo, quer dizer, a perda do aqui e
do agora (...) a maior dificuldade do homem contemporâneo é estar em seu tempo.
De fato, o tempo presente tem se desdobrado em tantas dimensões e
possibilidades que se esgarçou e esvaneceu, oferecendo um sem número de vias de
escape e fuga. A inflação das imagens é um dos aspectos desse fenômeno. (...)
quanto mais imagens, menos visibilidade e quanto mais visão, menos
propriocepção, o sentido por excelência do aqui e agora, da coporeidade..”
(BAITELLO JR., 2005: 41)
5 – A cultura do
eco
“A nova sociedade
não mais vive de pessoas, feitas de corpos e vínculos, ela se sustenta sobre os
pilares de uma infinita ‘serial imagery’, uma sequencia infindãvel de imagens,
sempre idênticas. O admirável e desejável jã não é mais a diferença, mas a
absoluta semelhança. Não mais a capacidade criativa e adaptativa é o que se
sobressai, mas sim a necessidade de pertencimento. Ser aceito, ser adepto, ser
adaptado, o novo caráter juvenil já não é mais alegremente demolidor como o
preconizara Benjamim (1982). Na ‘serial imagery society’ não se permite não ser
uma imagem, não há espaçõs para as não imagens, nem mesmo por simulação, nem
mesmo nas fações e frestas da vida-imagem. O ‘sentimento-de-nós’ (Wir-Gefühl)
descrito por Pros, tão cultivado pela propaganda nazi-fascista, vola a atuar
com potência devastadora, desta feita não contra o outro, mas contra as
profundezas do si mesmo, pois o grande outro indesejável está dentro de si
mesmo, é a introspecção, o olhar para o fundo de si mesmo. A sociedade
imagética não abre espaços para as compesidades e exigências do corpo, para as
corporeidades, quando elas insistem em emergir como diferenças, como marcas
próprias, como peculiaridades, como singularidades. Há porém, na passagem para
a sociedade imagética um estágio intermediário, trazido pela revolução
industrial, em preparação para a crescente rarefação do corpo: a socidade
entômica.” (BAITELLO JR., 2005: 51)
“Passamos a ter
participação minoritária nesta sociedade entômica quando nós próprios começamos
a compreender e configurar nossa própria vida como insetos, em comunidades de
milhões, com o tempo entomizado, com o espaço entomizado. Isto significa que
morreu o indivíduo. Em seu lugar surge o ‘divíduo’ ou o ‘divididuo’ (...) A
utopia do ser inteiro, que não pode ser dilacerado, que não se divide, sucumbiu
com a disseminação das sociedades de insetos humanos.” (BAITELLO JR., 2005: 51)
Eco-logia em lugar
de Ecologia, ecos em vez de ‘oikos’
“A
reprodutibilidade possibilitada pelos recursos téecnicos obedece a uma lógica
do eco, da repetição das sílabas finais, dos sons fnais, das impressões finais
e superficiais. Não há memória profunda, há apenas lembranças epidérmicas.
Assim também atuam as séries de imagens reproduzidas: repetem-se suas
superfícies, sem memórias viscerais. Aparentemente iguais, mas no fundo e de
verdade, já se revelam vitimadas pela fadiga da imagem mãe, pois já não há mais
resquícios das coisas, apenas o eco de suas superfícies. A desmemória da
sociedade mediática não tem outro fundamneto que não o princípio da Eco-logia.
Se isso de fato ocorre, então já não faz sentido qualquer tentativa de
Ecologia, pois já não pode haver mais qualquer ‘oikos’, qualquer preocupação
com o ecossistema ambiental ou comunicacional será supérflua, pois a sociedade
da imagem é regida pela infeliz ninfa Eco, rejeitada por Narciso e que apenas
repete o que ouve, mas tão somente as últimas sílabas, os últimos sons. Se a
Ecologia pleiteia uma integração entre homem e meio ambiente, ela pressupõe a
existência de homens e coisas que já não mais existem ou estão ameaçadas. O
mundo das ‘coisas’ tornou-se mundo das ‘não-coisas’ (Flusser). E das pessoas
foram feitas imagens que reproduzem outras imagens de pessoas, portanto, ecos
das imagens. Assim, toda Ecologia, estudo do meio ambiente (incluindo, sem
dúvida, o meio ambiente comunicacional) torna-se para esta sociedade
primeiramente desconfortável e depois obsoleta. Em seu lugar impõe-se uma
Eco-logia, ou o estudo dos efeitos dsa imagens em eco. Esta teria como taefa
ocupa-se da lógica da ‘serial imagery society’, profetizada pela ‘Marilyn
Monroe’ de Andy Warhol; a ela caberia analisar seus desdobramentos e seus
possíveis cenários. (...) Em ouras palavras, trata-se de imagens em
proliferação desenfreada que provocam a rarefação dos corpos e seu ambiente,
sem nenhuma consideração ao conceito de auto-sustentabilidade. A lógica da
sociedade imagética pensa a curtoe curtíssimo prazo, o prazo da última
repetição, da última reprodução, que já estará obsoleta antes mesmo do término
de sua curta vigência” (BAITELLO JR., 2005: 52-53)
A era da iconofagia
“Desde que passamos
da sociedade entômica para a sociedade imagética, um outro fenômeno passou a se
tornar mais evidente, o fenômeno da iconofagia, a devoração de imagens,
juntamente com a voracidade por imagens e a gula das próprias imagens. Por medo
da morte principiamo, no alvorecer da hominização, a produzir imagens dos
mortos. Por medo das imagens da morte passamos a acelerar a produção das
imagen, no intuito de afastar ou recalcar avivência da própria morte. Tais
imagens em proliferação exacerbada nos remeteram ainda mais às recordações da
morte. Para fugir a esse destino, as imagens passaram a se superficializar de
tal forma que recordem tão somente outras imagens. Igualmente o procedimento da
animação acelerada almeja a mesma fuga, por um lado pela animação, imagem do
moviemnto, por outro pela aceleração, impeditivo da introspecção. Assim, ao
consumir imagens, já não as consumimos por sua ‘função janela’ (Kamper), mas
pela sua ‘função biombo’ (Flusser). Ao invés de remeter ao muno e às coisas,
elas passam a bloquear seu acesso, remetendo apenas ao repertório ou
repositório das próprias imagens. Assim, há tempo as imagens procedem de outras
imagens, se originam da devoração de outras imagens. Teríamos aí o primeiro grau da iconofagia.” (BAITELLO
JR., 2005: 53)
“O segundo grau da iconofagia surge
quando nós humanos começamos a consumir imagens. Não mais as coisas, mas seus
atributos imagéticos é que são consumidos. E também não se trata de penetrar
nas imagens, fazer uso de sua ‘função janela’, para nos transportarmos para
além da imagem. Trata-se de efetivamente consumir sua epiderme, sua superfície
e superficialidade. (...) Consummos imagens em todas as suas formas: marcas,
modas grifes, tendências, atributos, adjetivos, figuras, idolos, símbolos,
ícones, logomarcas. Até mesmo a comida está sendo desmaterializada por meio das
imagens, cada vez mais eco, cada vez menos ‘oikos’, cada vez menos se comem
alimentos, cada vez mais se comem imagens de alimentos (embalagens, cores,
formatos, tamanhos, padrões de alimento).” (BAITELLO JR., 2005: 54)
“Também pretence a
este cenário o advento do sobrepeso e da obesidade moderada como doença a ser
tratada, uma patologização de estados e estéticas corporais em outras épocas
cosiderados até mesmo desejáveis e esteticamente agradáveis. Primeiramente
consideram-se corpos acima do peso não compatíveis com as imagens-padrões. Segundo,
eles fogem às leis da produção em série, seus tamanhos médios não são
desejáveis enquanto imagem. O mundo real, com diversidade e variedade torna-se
obsoleto” (BAITELLO JR., 2005: 54)
“Uma vez que
imagens e corpos pertencem a categorias distintas, as superfícies e
superficialidades não possuem os nutrientes necessários para a vida dos corpos.
Mesmo assim, elas elaboram uma eficiente estratégioa de sedução e convencimento
para que estes se transformem em imagens, primeiramente oferecendo-lhes
alimentos contaminados de imagens e depois tão somente imagens de alimentos.
Como isto, inverte-se mais uma vez a direção do processo. Uma vez transformados
em imagens de corpos, são estes que passam a ser devorados, consumidos pelas
imagens. Temos aqui o próximo degrau da
iconofagia. Nesta etapa são as imagens que devoram os corpos.” (BAITELLO
JR., 2005: 55)
Escalada da
auto-referência
“As imagens
mediáticas possuem um enorme poder (conferido pela reprodutibilidade) e atingem
uma capilaridade e penetração nunca sonhadas anteriormente. Assim, tanto maior
sua força diante de um público cada vez mais ampro de indivíduos seriados, ou
de dividíduos seriados, nivelados por um repertório cada vez mais simplificado
e superficial, tansformados crescentemente em existências em efigie, ou seja,
em puras imagens. E quanto maior a sua força, tanto mais elas podem sofrer do
mal da auto-referência, maior a sua soberania e sua soberba diante do mundo.”
(BAITELLO JR., 2005: 56)
As imagens
devoradoras de corpos
“Somos obrigados
aviver uma abstração, um corpo sem matéria, sem massa, sem volume, apenas fito
de funções abstratas como trabalho, sucesso, visibilidade, carrira, profissão,
fama. Em seguida, ao ganharmos o status de imagens, passamos a viver também o
destino das séries de reproduções, do tempo hiper-acelerado das versões que se
sobrepõesm às anteriores, destinando-as ao descarte imediato e já se preparando
para o auto-descarte. O destino dos corpos-imagens é o do envelheciemnto
precoce das imagens exógenas do hiper-aquecimento que gera curto-circuito.”
(BAITELLO JR., 2005: 56)
6 – O corpo em
quiasma
“(...) o corpo vivo
e concreto é movimento, por ser movimento é tempo e memória, e por ser tempo, é
abstrato e fugaz; por ser fugaz, tem na sua própria materialidade seu maior
obstáculo. Assim, o corpo só é concretude quando se constrói com abstrações. O
corpo material é puro espírito, porque se constitui de história e histórias, de
vozes do passado e do futuro, de aqueologias oníricas e desonhos arqueológicos.
Assim, somos marcados pelo destino em cruz de todo quiasma, sobretudo no que se
trata desta entidade ao mesmo tempo tão concreta e tão abstrata chamada ‘corpo’
”(BAITELLO JR., 2005: 59)
“ O pensador da
comunicação, jornalista e cientista político Harry Pross propõe uma elementar
(porém corajosa) definição do processo de comunicação. Afirma ele que toda
comunicação ou todo processo comunicativo – não importa quantos aparelhos
esteja usando – começa no corpo e termina no corpo. Não haveria rãdio,
televisão, telefone, computadores em rede, se não tivéssemos no inicio e no
final de qualquer míidia um corpo vivo (...) O corpo é a primeira mídia, vale
dizer, o primeiro meio de comunicação do homem. Isto quer dizer também, é o seu
primeiro instrumento de vinculação com outros seres humanos. Isto é o que
significa `mídia primária´. O corpo é linguagem e, ao mesmo tempo, produtor de
inúmeras linguagens com as quais o ser humano se aproxima de outros seres
humanos, se vincula a eles, cultiva o vínculo, mantém relações e parcerias.
”(BAITELLO JR., 2005: 62)
“ Com a
prolifera~cao das imagens que vertiginosamente passam a ocupar todos os
espa~cos bidimentsionais do mundo do homem, elas come~cam a exercer uma pressão
irresistível sobre os corpos verdadeiros, tridimensionais, palpáveis, táteis,
históricos (portanto sujeitos ao tempo e ao envelheciemento). Acabam interferindo
sobre os corpos, levando-os a assumir cada vez mais característias
bidimensionais, a se tornarem planos, a se transformarem em imagens. (...) E,
como número, como pura quantificação, este corpo passou a ser nulodimensional,
nao ocupando mais nenhum espaço que não seja o espaço virtual do não espaço. É portanto
isso que somos para as estatísticas e para a demoscopia, para o estado e para o
mercado. Somos um número, um ponto. E um ponto nao necessita o espaco de
nenhuma de suas dimensoes. Com isso estã criado um corpo destituído de sua
corporeidade. Um corpo não corpo, um quiama. ”(BAITELLO JR., 2005: 66)
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