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01/05/2012

Fichamento da 1ª parte do livro A era da iconofagia de Norval Baitello Jr.


BAITELLO JUNIOR, Norval. A era da iconofagia: ensaios de comunicação e cultura. São Paulo: Hacker, 2005.


Prefácio: devorar imagens? Ser devorado por elas?

Parte I a comunicação, a violência e seus dialetos




1 – A ocidentação. Iconofagia e ocidentação: a preda dos símbolos diretores e o esvaziamento das imagens

“ A longa vida dos símbolos somente é possível graças aos seus suportes, as imagens, (não importa em que tipo de linguagem, se visual, se auditiva, se olfativa, tátil ou performativa). No entanto, não é o suporte que se esvazia, senão os símbolos que se perdem quando se inflacionam e esvaziam as imagens. A crise da visibilidade não é uma crise das imagens, mas uma rarefação de sua capacidade de apelo. Quando o apelo entra em crise, são necessárias mais e mais imagens para se alcançar os mesmos efeitos. O que se tem então é uma descontrolada reprodutibilidade.” (BAITELLO JR., 2005: 14)

“Símbolos são grandes sínteses sociais, resultantes da elaboração de grandes complexos de imagens e vivências de todos os tipos. Por isso as imagens evocam os símbolos e ao evocá-los, os ritualizam e os atualizam.” (BAITELLO JR., 2005: 17)

“Imagens são, por natureza, fóbicas. Evocam e atualizam o medo primordial da morte, uma vez que elas originariamente foram feitas para vencer a morte. O medo da morte é que nos conduz a emprestar a vida e a longa vida aos símbolos. Pois é em sua longa vida que prorrogamos e prolongamos a nossa própria vida, simbilicamente. .” (BAITELLO JR., 2005: 17)

“ A propósito do esquecimento, não se pode ignorar a figura mitológica do rio Lete, situado no mundo ctônio, de cujas águas bebiam os mortos, para esquecer a vida terrestre e os que renasciam, para esquecer o que viram no munod das sombras. O esquecimento ou arquivamento constitui uma forma de antídoto para a profusão e inflação das imagens (...) e acaba sendo indispensável. (...) Dietmar Kamper, porém, aponta para um outro aspecto do problema: alerta para o crescimento exponencial da invisibilidade, não mais por obra do esqueciemento deliberado, por obra do descarte, mas antes por atuação excessiva e descontrolada das imagens, pelo descontrole e pelo excesso da reprodução, portanto, pela sua inflação. Trata-se aqui não mais da fadiga do objteto e seus materiais, mas da fadiga do olhar e seu corpo, provocada pelo desmesurado abuso na reprodutibilidade da imagem” (BAITELLO JR., 2005: 18)

Mais próprio para a sociedade contemporânea que o ‘Penso, logo existo’ é o ‘Sou visto, logo, existo’, pois a aparência é o norte da atual organização social.

“ ‘video, ergo sum’. Esta variante do ‘cogito’, ainda possui uma versão mais atual ao substituir o ‘video’ por ‘videor’, a forma passiva de ‘ver’, com o significado de ‘ser visto’, ‘aparentar’, ‘passar por’, ‘assemelhar-se. Assim, ser visto, aparentar, enfim, ser uma imagem, passam a ser o grande imperativo da era da orientação em seu apogeu. (...) Não importa ser,importa parecer.” (BAITELLO JR., 2005: 20)

“O mundo da luz e da imagem tornou-se, pelo medo e pela fadiga do olhar, um mundo no qual cresce desproporcional e exponencialmente o subterrâneo da sombra e do esquecimento. Quanto mais se quer expor, mostrar, tornar visível, tanto mais se consegue apenas aparentar, esconder, simular ou ofuscar.” (BAITELLO JR., 2005: 21)

“As estratégias da imagem caminham lado a lado com as estratégias da produção e da economia predatórias. Devoram-nos tanto os preceitos econômicos da era da orientação como suas imagens, no afã de apropriação, expansão, crescimento e progresso. As promessas pressupõem imortalidade da vida ilimitada, gozos e prazeres. Assim, são hoje as imagens que nos devoram: um mundo de paraísos pré-adâmicos, somente acess~iveis se abandonarmos nossos corpos, se os deixarmos definitivamente para trãs, em prol de uma existência apenas em imagem (...) um mundo que nos quer imagens puras como puros espíritos cartesianos, apenas res cogitans, sem res extensa..” (BAITELLO JR., 2005: 22)

2 – A senilização. A violência invisível na era da visibilidade. A mídia, a senilização e a violência infanto-juvenil


“Apenas a violência bruta encontra espaço nos veículos de comunicação de massa, na chamada mídia informativa. O resultado disso ~e que todos nõs acabamos achando que violência é apenas isso. E acabamos não tendo olhos e ouvidos para a violência que grassa nos meandros das relações interpessoais, nos vínculos familiares, nos complexos espaços das relações socais, na codificação e nas leis constitutivas de sociedades e culturas nos preceitos coercitivos dos tempos da vida e do trabalho e nas coerções brutais a que submentemos nosso próprio corpo, apenas em nome de hábitos e crenças alimentados pela era da visibilidade. (...) Foi Walter Benjamin, ele próprio vítima de notável de um tempo histórico da mais bruta violência, quem chamou a atençã para a ‘violência lapidada’ com uma das formas de manifestação da violência. (...) violência reinada que se veicula por meio de s~imbolos, práticas cotidianas de adultos, instituições de ensino, brinquedos aparentemente inovensivos, gestos, comportamentos e hábitos. ” (BAITELLO JR., 2005: 26)

Artigo inspirado nas folhas 26 a 28:

“O homo sapiens (que para o mesmo Edgar Morin não é apenas sapiens mas também demens) passa a conservar por toda sua vida características próprias da criança e do adolescente: capacidade de brincar e jogar, a disposição para aprender, a vitalidade e a força (física ou simbólica), o espírito de desafio e competição. A face luminosa da juvenilização é a ampliação do tempo de aprendizagem, a manutenção do espírito de descoberta e a instituição de uma duradoura vitalidade, de uma vida preenchida sempre com atividades novas e desafiadoras. O ‘tempo do muno’, tempo social e cultural por excelência se projeta sobre o ‘tempo da vida’ (cf. Blumenberg, 1986), alargando-o, fazendo-o elástico e desafiador dos limites da própria natureza humana ” (BAITELLO JR., 2005: 27)

“O comunicólogo espanhol Vicente Romano (1998) estuda e analisa o crescente processo de privatização dos espaços públicos, que antes eram espaços de comunicação, festa e proximidade, não associados ao consumo, mas associados à celebração e à comunhão do espaço e do tempo. Com a privatização, passam os espaços a ser, em primeira instância, espaços de grande apelo visual ao consumo. Estar no espaco privado do comércio conduz ao atendimento das exigências do comércio. São, portanto, espaços privados de coerção: por estarem no espaço do comércio, as pessoas passam a ser visíveispelo que consomem e não por sua presença epela comunhão do tempo e do espaço, não mais plea celebração da proximidade. A visibilidade associada ao consumo torna-se o preceito primeiro a ser atendido. .” (BAITELLO JR., 2005: 29)

“O jornalista e comunicólogo Dominik Klenk (1998) escreve sobre a ‘colonização midiática do tempo de vida’. Aponta que a média de tempo que alemães gastam com a mídia por dia foi de 7 horas no ano de 1997 (em contraste com 3hs em 1964 e 5,5hs em 1990). Klenk afirma: ‘nosso tempo de vida é humano, limitado e insubstituível. Ao lado do tempo do sono e do tempo laboral resta-nos ainda aquele que entendemos genericamente como tempo livre. Este é também o tempo que dedicamos a nossas relações pessoais, em que experimentamos, no encontro com outras pessoas, nosso ‘ser pessoa’ e podemos vivenciar o presente.’ ” (BAITELLO JR., 2005: 30)

“A era da visibilidade, entretanto, nos transforma a todos em imagens, invertendo o vetor da interação humana, criando a visão que se satisfaz apenas com a visão. A comunicção de proximidade, interpessoal, familiar, fraternal, importante dispositivo de equilibrio para as tensões e conflitos individuais, vem sendo crescentemente suprimida pelas relações escravizadoras da era da visibilidade. (...) Estaremos caminhando para uma sociedade que, por banir os traços e as marcas do tempo, por banir o envelhecimento, a lentidão, por desvalorizar e por fim também banir a proximidade, oferece às crianças, jovens e adolescentes um horizonte obscurecido pelas excessivas luzes dos holofotes de um falso presente, um presente in effigie, sem corporeidade, sem presença, umpresente sem vida e sem surpresas.” (BAITELLO JR., 2005: 30)

3- A sedação. Mídia e sedação.

“Quando dois corpos se encontram existe uma troca de informações visuais, olfativas, auditivas, táteis, gustativas dependendo do tipo de encontro – por exemplo, duas pessoas que se beijam trocam informações gustativas. Existe assim um processo de comunicação extremamente complexo através dos sentidos de distância como a audição e a visão, e dos sentidos de proximidade como o olfato, paladar e tato. (...) Os estudiosos do comportamento descobriram que existe um microgesto da sobrancelha que possibilita o nacimento de um vínculo comunicativo entre duas pessoas. E esse microgesto dura um sexto de segundo e se chama ‘eyebrow flash’, que em português foi traduzido por ‘deflagrar do supercílio’. Trata-se de uma brevíssima elevação da sobrancelha com a qual sinalizamos favoravelmente a uma aproximação quando encontramos uma pessoa desconhecida. (...) a mídia primária – a voz, o cheiro, o gesto e o gosto – tem um limite temporal e espacial, exige o tempo e o espaço do aqui e do agora” (BAITELLO JR., 2005: 32)

“(...)homem, sendo um animal muito inquieto, percebeu, aprendeu com outros animais, que deixando marcas em objetos, marcava sua presença, deixava a informação de sua presença em sua ausência. (...) todos os suportes materiais fixos ou transportáveis são, portanto, mídia secundária. Como se trata de sinais feitos por corpos, não suprime a mídia primária. Apenas soma-se a ela um segundo ‘meio de campo’. A imagem, as representações imagéticas, dentre elas a escrita, são dessa natureza. (...) Só que a mídia secundária tem o limite de sua transportabilidade. O espaço ainda é um obstáculo. Por outro lado, ela introduz um fator temporal novo, inventando o tempo lento que é o tempo da escrita, da decodificação e da decifração. O tempo da imagem registrada sobre materiais permanentes permite o tempo lento da contemplação. Assim também toda escrita exige decifração e tudo o que não deciframos nos devora – isto vale tanto para a imagem quanto para a trua tranformção que é a escrita. (...) imagem e escrita são a própria negação da morte, pois a durabilidade dos materiais garante a sobrevivência dos registros ali deixados por corpos que não durarão tanto tempo. (...) O passo seguinte: com o advento da era da eletricidade, desenvolvem-se sistemas de mediação mais sofisticados utilizando um aparato de emissão e um aparato de captação da mensagem. É aqui que surge a mídia terciária, desde o telégrafo, o telefone, o rádio,a televisão até as atuais redes de computadores.” (BAITELLO JR., 2005: 33 e 34)

“A mídia primária é o começo e o fim, sempre, de todo o processo de comunicação. Ela sempre estará lá dentro da mídia secundária e dentro da mídia terciária. Mas o que acontece com o tempo na mídia terciária? Enquanto o tempo da mídia primária, que é presencial, é o tempo do aqui e agora; enquanto tempo e espaco criam a presença e o presente, condições indispensáveis para a comunicação primária, e enquanto na mídia secundária o tempo se torna mais lento, na mídia terciária esse tempo se acelera vertiginosamente. E com isso zera-se o espaço. Quando mandamos uma mensagem via internet para o Japão, ela chega em um tempo desprezível, agora mesmo. Tem-se a sensação de que o japão é ali mesmo. Resolve-se assim o proplema do transporte, da transposição dos obstáculos associados ao espaço . O que ocorre então com as imagens da mídia terciária? Elimina-se o tempo da decifração e da contemplação em favor de uma sonoridade e uma visualidade em ritmos acelerados. A mídia terciária decreta o fim do tempo contemplativo e individualmente diferenciado. Igualmente eliminam-se os obstáculos do espaço em sua concretude e em sua gravidade, uma vez que já não se transportam os suportes que carregas os sinais, mas se transmitem os sinais sem seus suportes.” (BAITELLO JR., 2005: 34)

“Não me refiro aqui às imagens interiores mas às imagens em sua materialidade de mídia secundária, que exigem o tempo lento da leitura e da decifração. Este tempo é necessário para o confronto e o diálogo com as nossas imagens interiores. Nesse diálogo é que nós nos espelhamos, nos enriquecemos, bebemos, vivemos e multipicamos o nosso espaço comunicativo. É com esse diálogo que nós aprendemos a ver, a nos ver e a ver o mundo. Por isso é que a imagem exige um tempo lento e a decifração. Quando não temos o tempo – na mídia terciária não temos tempo da decifração – ocorre uma inversão. Ao invés de as imagens nos alimentarem o mundointerior, é nosso mundo interior que vai servir de alimento para elas, girar em torno delas, servir de escravo para elas. Transformamo-nos em sombras das imagens, ou objetos da sua devoração. No momento em que não as deciframos, não nos apropriamos delas e elas nos devoram. Nossos índios praticavam a antropofagia ritual. Os nossos artistas dos anos 20 falaram da antropofagia cultural contra todos os colonialismos. Nossa era contemporânea pratica a iconofagia: ou nós devoramos as imagens, ou são as imagens que nos devoram .” (BAITELLO JR., 2005: 35)

“De saltadores e nômades, o sedentarismo nos fez vulcões prontos para explodir a qualquer momento. Assim foram e são necessários os sistemas de “sentação” e de sedação, para acalmar e amansar os velhos saltadores e incansáveis andarilhos. Para manter sentados os velhos e novos guerreiros criaram-se intituições de educação, de formação, de informação e de entretenimento que nos acompanham a vida toda: as escolas, as igrejas, a mídia, a indústria de entretenimento. E seus instrumentos de sedação sempre foram e continuam sendo nada mais que as imagens (não importa em que linguagem, se acústico-verbais, visuais, cinético-performáticas, musicais etc). O processo de sedação encontra na crescente produção de imagens da mídia terciária um poderoso aliado .” (BAITELLO JR., 2005: 36 e 37)

“Quando sentamos o corpo, sentamos também a nossa base comunicativa, nossa mídia primária e sua capacidade de gerar linguagens e vinculos comunicativos. Assim estamos sedando o corpo, mas ao lado de sedar o corpo, estamos sentando e amansando, domesticano o próprio pensamento. Nossa capacidade de pensar, de comunicar, de agir, acaba sendo ditada de alguma forma pela cadeira. (...) Um pensamento sentado significa um agir acomodadeo, conformado e amansado, incapaz de sequer decifrar o mundo ao seu redor e menos capaz ainda de atuar de modo transformador. Cabe-nos hoje pensar – com o pensamento em pé, pronto para saltar ou corrrer – o que é que está fazendo o desenvolvimento da mídia com as nossas mentes. Transformando-nos em seres sentados e sedados?  .” (BAITELLO JR., 2005: 37)



4- A perda do presente

“A expressão benjaminiana de ‘ estetização da política’ traduz exatamente o processo de utilização indiscriminada de imagens para fins de redução do horizonte perceptivo do homen comum. Assim, as imagens não foram propriamente inflacionadas pela reprodutibilidade técnica, mas pela idolatria aos deuses implacáveis que se escondiam em seus subterrâneos, os deuses que comandam, nos bastidores, a asséptica primazia da grande escala e da automação (e todos seus desdobramentos), os mesmos deusers restauradores da distância como imperativo .” (BAITELLO JR., 2005: 41)


“Johan Galtung define violência como ‘todo ataque evitãvel contra as necessidades humanas básicas e contra a vida em geral. Por meio da violência as possibilidades de satisfação das necessidades são minimizadas e mantidas sob pressão em um baixo nível. Como violência contam também as ameaças de violência.’ Galtung classifica ainda quatro tipos de ‘violência direta’ e quatro tipos de ‘violência indireta ou estrutural’, respectivamente contra: a) sobrevivência; b) bem-estar; c) identidade; e, e) liberdade. Enfatiza ainda que ‘estruturas de violência deixam rastros não apenas no corpo, mas também no pensamento’. Vamos tomar aqui apenas aquilo que ele denomina ‘violência contra a identidade’, quando direta, que se manifesta nos procesos de ‘dessocialização, ressocialização e geração de cidadãos de segunda classe’ e, quando indireta ou estrutural, mnifesta-se naquilo que Galtung chama de ‘penetração e nomização’ (Normierung). Por ‘penetração’ entende os fenômenos nos quais ‘o favorecido (Begünstigter) abre um espaço no desfavorecido (Benachteiligter) e por normização entende o processo no qual ao desfavorecido se possibilita apenas uma visão limitada sobre as coisas.” (BAITELLO JR., 2005: 41-42)

“A distribuição de símbolos e imagens, seja ela feita pelos códigos da visualidade ou por outros códigos, cria grandes complexos de vínculos comunicativos – grupos, tribos, seitas, crenças, sociedades, culturas – e , com isso, cria realidades que não apenas podem interferir na vida das pessoas, como de fato determinam seus destinos, moldam sua percepção, impõem-lhes restrições, definem recortes e janelas para o seu mundo.” (BAITELLO JR., 2005: 42)


“A perda do corpo, no entanto, não se dã, pelo que parece, apenas ns casos de distúrbios biológicos. Pouco se estudou ainda o fenômeno da perda do corpo causada por fatores sociais e culturais. Talvez a hipertrofia da comunicação pelas imagens, portanto da visão, aliada ao abuso dos sentidos de distância esteja produzindo um tipo de violência contra a integridade do próprio corpo. Não se poderia indagar se o diálogo entre a visão e a propriocepção nao seria também válido na outra direção, ou seja, de tantas imagens, tanta visão, não estaríamos perdendo aos poucos a sensação do próprio corpo, o espaço do eu? Não seria o caso de nos perguntarmos se não estamos também gerando, com isso, uma dificuldade crescente de nos colocarmos ( e/ou nos sentirmos ) no espaço e no tempo que nos cabem no mundo? Isto envolveria a perda do próprio corpo, quer dizer, a perda do aqui e do agora (...) a maior dificuldade do homem contemporâneo é estar em seu tempo. De fato, o tempo presente tem se desdobrado em tantas dimensões e possibilidades que se esgarçou e esvaneceu, oferecendo um sem número de vias de escape e fuga. A inflação das imagens é um dos aspectos desse fenômeno. (...) quanto mais imagens, menos visibilidade e quanto mais visão, menos propriocepção, o sentido por excelência do aqui e agora, da coporeidade..” (BAITELLO JR., 2005: 41)


5 – A cultura do eco

“A nova sociedade não mais vive de pessoas, feitas de corpos e vínculos, ela se sustenta sobre os pilares de uma infinita ‘serial imagery’, uma sequencia infindãvel de imagens, sempre idênticas. O admirável e desejável jã não é mais a diferença, mas a absoluta semelhança. Não mais a capacidade criativa e adaptativa é o que se sobressai, mas sim a necessidade de pertencimento. Ser aceito, ser adepto, ser adaptado, o novo caráter juvenil já não é mais alegremente demolidor como o preconizara Benjamim (1982). Na ‘serial imagery society’ não se permite não ser uma imagem, não há espaçõs para as não imagens, nem mesmo por simulação, nem mesmo nas fações e frestas da vida-imagem. O ‘sentimento-de-nós’ (Wir-Gefühl) descrito por Pros, tão cultivado pela propaganda nazi-fascista, vola a atuar com potência devastadora, desta feita não contra o outro, mas contra as profundezas do si mesmo, pois o grande outro indesejável está dentro de si mesmo, é a introspecção, o olhar para o fundo de si mesmo. A sociedade imagética não abre espaços para as compesidades e exigências do corpo, para as corporeidades, quando elas insistem em emergir como diferenças, como marcas próprias, como peculiaridades, como singularidades. Há porém, na passagem para a sociedade imagética um estágio intermediário, trazido pela revolução industrial, em preparação para a crescente rarefação do corpo: a socidade entômica.” (BAITELLO JR., 2005: 51)


“Passamos a ter participação minoritária nesta sociedade entômica quando nós próprios começamos a compreender e configurar nossa própria vida como insetos, em comunidades de milhões, com o tempo entomizado, com o espaço entomizado. Isto significa que morreu o indivíduo. Em seu lugar surge o ‘divíduo’ ou o ‘divididuo’ (...) A utopia do ser inteiro, que não pode ser dilacerado, que não se divide, sucumbiu com a disseminação das sociedades de insetos humanos.” (BAITELLO JR., 2005: 51)


Eco-logia em lugar de Ecologia, ecos em vez de ‘oikos’

“A reprodutibilidade possibilitada pelos recursos téecnicos obedece a uma lógica do eco, da repetição das sílabas finais, dos sons fnais, das impressões finais e superficiais. Não há memória profunda, há apenas lembranças epidérmicas. Assim também atuam as séries de imagens reproduzidas: repetem-se suas superfícies, sem memórias viscerais. Aparentemente iguais, mas no fundo e de verdade, já se revelam vitimadas pela fadiga da imagem mãe, pois já não há mais resquícios das coisas, apenas o eco de suas superfícies. A desmemória da sociedade mediática não tem outro fundamneto que não o princípio da Eco-logia. Se isso de fato ocorre, então já não faz sentido qualquer tentativa de Ecologia, pois já não pode haver mais qualquer ‘oikos’, qualquer preocupação com o ecossistema ambiental ou comunicacional será supérflua, pois a sociedade da imagem é regida pela infeliz ninfa Eco, rejeitada por Narciso e que apenas repete o que ouve, mas tão somente as últimas sílabas, os últimos sons. Se a Ecologia pleiteia uma integração entre homem e meio ambiente, ela pressupõe a existência de homens e coisas que já não mais existem ou estão ameaçadas. O mundo das ‘coisas’ tornou-se mundo das ‘não-coisas’ (Flusser). E das pessoas foram feitas imagens que reproduzem outras imagens de pessoas, portanto, ecos das imagens. Assim, toda Ecologia, estudo do meio ambiente (incluindo, sem dúvida, o meio ambiente comunicacional) torna-se para esta sociedade primeiramente desconfortável e depois obsoleta. Em seu lugar impõe-se uma Eco-logia, ou o estudo dos efeitos dsa imagens em eco. Esta teria como taefa ocupa-se da lógica da ‘serial imagery society’, profetizada pela ‘Marilyn Monroe’ de Andy Warhol; a ela caberia analisar seus desdobramentos e seus possíveis cenários. (...) Em ouras palavras, trata-se de imagens em proliferação desenfreada que provocam a rarefação dos corpos e seu ambiente, sem nenhuma consideração ao conceito de auto-sustentabilidade. A lógica da sociedade imagética pensa a curtoe curtíssimo prazo, o prazo da última repetição, da última reprodução, que já estará obsoleta antes mesmo do término de sua curta vigência” (BAITELLO JR., 2005: 52-53)


A era da iconofagia
“Desde que passamos da sociedade entômica para a sociedade imagética, um outro fenômeno passou a se tornar mais evidente, o fenômeno da iconofagia, a devoração de imagens, juntamente com a voracidade por imagens e a gula das próprias imagens. Por medo da morte principiamo, no alvorecer da hominização, a produzir imagens dos mortos. Por medo das imagens da morte passamos a acelerar a produção das imagen, no intuito de afastar ou recalcar avivência da própria morte. Tais imagens em proliferação exacerbada nos remeteram ainda mais às recordações da morte. Para fugir a esse destino, as imagens passaram a se superficializar de tal forma que recordem tão somente outras imagens. Igualmente o procedimento da animação acelerada almeja a mesma fuga, por um lado pela animação, imagem do moviemnto, por outro pela aceleração, impeditivo da introspecção. Assim, ao consumir imagens, já não as consumimos por sua ‘função janela’ (Kamper), mas pela sua ‘função biombo’ (Flusser). Ao invés de remeter ao muno e às coisas, elas passam a bloquear seu acesso, remetendo apenas ao repertório ou repositório das próprias imagens. Assim, há tempo as imagens procedem de outras imagens, se originam da devoração de outras imagens. Teríamos aí o primeiro grau da iconofagia.” (BAITELLO JR., 2005: 53)

O segundo grau da iconofagia surge quando nós humanos começamos a consumir imagens. Não mais as coisas, mas seus atributos imagéticos é que são consumidos. E também não se trata de penetrar nas imagens, fazer uso de sua ‘função janela’, para nos transportarmos para além da imagem. Trata-se de efetivamente consumir sua epiderme, sua superfície e superficialidade. (...) Consummos imagens em todas as suas formas: marcas, modas grifes, tendências, atributos, adjetivos, figuras, idolos, símbolos, ícones, logomarcas. Até mesmo a comida está sendo desmaterializada por meio das imagens, cada vez mais eco, cada vez menos ‘oikos’, cada vez menos se comem alimentos, cada vez mais se comem imagens de alimentos (embalagens, cores, formatos, tamanhos, padrões de alimento).” (BAITELLO JR., 2005: 54)


“Também pretence a este cenário o advento do sobrepeso e da obesidade moderada como doença a ser tratada, uma patologização de estados e estéticas corporais em outras épocas cosiderados até mesmo desejáveis e esteticamente agradáveis. Primeiramente consideram-se corpos acima do peso não compatíveis com as imagens-padrões. Segundo, eles fogem às leis da produção em série, seus tamanhos médios não são desejáveis enquanto imagem. O mundo real, com diversidade e variedade torna-se obsoleto” (BAITELLO JR., 2005: 54)


“Uma vez que imagens e corpos pertencem a categorias distintas, as superfícies e superficialidades não possuem os nutrientes necessários para a vida dos corpos. Mesmo assim, elas elaboram uma eficiente estratégioa de sedução e convencimento para que estes se transformem em imagens, primeiramente oferecendo-lhes alimentos contaminados de imagens e depois tão somente imagens de alimentos. Como isto, inverte-se mais uma vez a direção do processo. Uma vez transformados em imagens de corpos, são estes que passam a ser devorados, consumidos pelas imagens. Temos aqui o próximo degrau da iconofagia. Nesta etapa são as imagens que devoram os corpos.” (BAITELLO JR., 2005: 55)

Escalada da auto-referência
“As imagens mediáticas possuem um enorme poder (conferido pela reprodutibilidade) e atingem uma capilaridade e penetração nunca sonhadas anteriormente. Assim, tanto maior sua força diante de um público cada vez mais ampro de indivíduos seriados, ou de dividíduos seriados, nivelados por um repertório cada vez mais simplificado e superficial, tansformados crescentemente em existências em efigie, ou seja, em puras imagens. E quanto maior a sua força, tanto mais elas podem sofrer do mal da auto-referência, maior a sua soberania e sua soberba diante do mundo.” (BAITELLO JR., 2005: 56)

As imagens devoradoras de corpos
“Somos obrigados aviver uma abstração, um corpo sem matéria, sem massa, sem volume, apenas fito de funções abstratas como trabalho, sucesso, visibilidade, carrira, profissão, fama. Em seguida, ao ganharmos o status de imagens, passamos a viver também o destino das séries de reproduções, do tempo hiper-acelerado das versões que se sobrepõesm às anteriores, destinando-as ao descarte imediato e já se preparando para o auto-descarte. O destino dos corpos-imagens é o do envelheciemnto precoce das imagens exógenas do hiper-aquecimento que gera curto-circuito.” (BAITELLO JR., 2005: 56)


“A razão econômica que criou a serial imagery society para ampliar a escala dos negócios, requer retorno também em escala ampliada. Ao produzir imagens em séries, precisou produzir receptores também em séries. Para produzi-los serialmente precisou antes transformá-los em imagens. Ao transformá-los em imagens, procurou se desfazer dos escombros e detritos resistentes, que não cabiam no circuito fechado das imagens espelhadas em forma de labirinto. E nos labirintos em séries, na catástrofe do sempre igual, sucumbimos todos os dias em nossa corporeidade que insiste e resiste”.(BAITELLO JR., 2005: 57)


6 – O corpo em quiasma


“(...) o corpo vivo e concreto é movimento, por ser movimento é tempo e memória, e por ser tempo, é abstrato e fugaz; por ser fugaz, tem na sua própria materialidade seu maior obstáculo. Assim, o corpo só é concretude quando se constrói com abstrações. O corpo material é puro espírito, porque se constitui de história e histórias, de vozes do passado e do futuro, de aqueologias oníricas e desonhos arqueológicos. Assim, somos marcados pelo destino em cruz de todo quiasma, sobretudo no que se trata desta entidade ao mesmo tempo tão concreta e tão abstrata chamada ‘corpo’ ”(BAITELLO JR., 2005: 59)



“ O pensador da comunicação, jornalista e cientista político Harry Pross propõe uma elementar (porém corajosa) definição do processo de comunicação. Afirma ele que toda comunicação ou todo processo comunicativo – não importa quantos aparelhos esteja usando – começa no corpo e termina no corpo. Não haveria rãdio, televisão, telefone, computadores em rede, se não tivéssemos no inicio e no final de qualquer míidia um corpo vivo (...) O corpo é a primeira mídia, vale dizer, o primeiro meio de comunicação do homem. Isto quer dizer também, é o seu primeiro instrumento de vinculação com outros seres humanos. Isto é o que significa `mídia primária´. O corpo é linguagem e, ao mesmo tempo, produtor de inúmeras linguagens com as quais o ser humano se aproxima de outros seres humanos, se vincula a eles, cultiva o vínculo, mantém relações e parcerias. ”(BAITELLO JR., 2005: 62)


“ Com a prolifera~cao das imagens que vertiginosamente passam a ocupar todos os espa~cos bidimentsionais do mundo do homem, elas come~cam a exercer uma pressão irresistível sobre os corpos verdadeiros, tridimensionais, palpáveis, táteis, históricos (portanto sujeitos ao tempo e ao envelheciemento). Acabam interferindo sobre os corpos, levando-os a assumir cada vez mais característias bidimensionais, a se tornarem planos, a se transformarem em imagens. (...) E, como número, como pura quantificação, este corpo passou a ser nulodimensional, nao ocupando mais nenhum espaço que não seja o espaço virtual do não espaço. É portanto isso que somos para as estatísticas e para a demoscopia, para o estado e para o mercado. Somos um número, um ponto. E um ponto nao necessita o espaco de nenhuma de suas dimensoes. Com isso estã criado um corpo destituído de sua corporeidade. Um corpo não corpo, um quiama. ”(BAITELLO JR., 2005: 66)




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