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04/10/2010

Somos anfíbios entre o real e o possível

Memória do Seminário Vilém Flusser (23 de setembro)

Somos anfíbios entre o real e o possível

Por Danielle Denny
Quinta-feira, 23 de setembro de 2010
Em artigo de 1991, na revista Resgate, intitulado “Entre o provável e o impossível”, Vilém Flusser Flusser examina os limites entre real, possível e impossível. Para ele não há linha definida. Ininterruptamente os seres humanos tornam o possível realidade e o que era impossível passa a ser viável. Isso acelera com o desenvolvimento tecnológico, que faz muita coisa deixar de ser impossível. Assim, estamos cada vez menos ligados ao real. Somos portanto “Anfíbios que vivem com os pés no real e a cabeça no possível (...) bicho que devora o possível, a fim de realizá-lo (...) Estamos nos preparando para decolar do real, para transformarmo-nos de anfíbios em planadores.”

A cultura imaterial (do simulacro, da pós-história) possibilitada pelo avanço da tecnologia eletromagnética revolucionou nossa forma de viver, agir e pensar. As categorias epistemológicas tradicionais (ciência, arte e política) não servem mais para categorizar a vida humana. “O termo-chave da revolução informática é informação, o que significa configuração pouco provável” (...) A diferença entre informações naturais e culturais está no fato de que as naturais surgem ao acaso, e as culturais deliberadamente. (...) O cérebro humano é ponto de ruptura no processo criativo: é sede da liberdade.

A cultura imaterial reavalia a liberdade frente à mutação existencial e estética.

Existencial porque estamos em outro grau de evolução, somos menos sujeitos de objetos e mais inseridos em relações intersubjetivas, afinal, pelas máquinas também há formas de conhecer o outro e de ser por ele alterado. “Cada vez menos determinado pelo mundo objetivo e cada vez mais condicionado por suas relações com os outros homens” (...) “o outro dos outros, disposto a alterar o outro e a ser por ele alterado”.

E estética, pois, a imaterialização da cultura faz surgir uma “imaginação nova: pós conceitual, não pré-conceitual, imaginação que surge da crítica, não que a exige”. As imagens são resultado de cálculos computacionais hoje em dia, o cientista portanto precede o artista. Além disso, a interatividade dilui as diferenças “entre emissor, crítico, transmissor e receptor”. (...) “Todo receptor é virtual emissor” (...) “A experiência estética passa a ser imersa em clima de responsabilidade”.

Há uma dessacralização da arte que passa a ser sinônimo de espanto. Caixa de sabão em pó numa galeria é arte por subverter o significado da coisa, causar estranhamento. Não há mais necessidade de se produzir obra nova. Só a variação do significado pode quebrar com o sistema que era, antes da pós-história, altamente institucionalizado. Assim, estetização passa a ser escapar ao programa, não só em termos digitais de programas de computadores, mas também escapar concretamente às regras, corromper a ordem determinada das coisas. Como por exemplo, fazer um evento extracurricular, organizar um movimento inesperado, abraçar etc. Nos termos de Maffezoli, perceber a estética do cotidiano, admirar uma flor, uma qualidade nas pessoas

Essa mutação existencial e estética traz consigo diversos riscos e potencialidades. Pode haver banalização da arte ou seu uso para manipular comportamentos da sociedade. Mas também podemos atingir perspectivas deslumbrantes. Diante desses desafios precisamos elaborar categorias novas. “Depende em grande parte de nós se a utopia em via de emergir será positiva ou negativa”.

Bibliografia

FLUSSER, Vilém. Entre o provável e o impossível. Resgate, (3): 16-20, 1991.


Danielle Denny participa do grupo de estudos sobre Vilém Flusser, do Centro Interdisciplinar de Semiótica da Cultura e da Mídia, http://www.cisc.org.br/html/index.php, o presente texto é uma ata das discussões travadas durante o terceiro dos oito encontros que serão realizados em três universidades durante o segundo semestre de 2010.

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